quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Victória sempre Derroctada

Olha só quem eu achei na Folha de São Paulo do dia 28 de outubro de 2002. Ela mesma, a professora Maria Victoria Benevides, ou como diz Reinaldo Azevedo, a Derrocta. Transcrevo logo abaixo seu artigo louvando a vitória de Lula:

Lula tem as duas virtudes desse cordel nordestino, a "vergonha na cara", que define o caráter de um homem íntegro e cumpridor de sua palavra, e também a inegável vocação para a liderança, a luta, o interesse público, a defesa dos fracos, humilhados e ofendidos. Sua história de vida e empenho para conquistar o poder e nele atuar com os ideais imorredouros da liberdade, da igualdade e da solidariedade sempre deram o maior brilho à estrela petista.
Mas, apesar da trajetória exemplar, raros dentre nós, acadêmicos seus admiradores, acreditávamos que algum dia Lula, o metalúrgico, chegasse à Presidência da República. Acreditávamos no partido, a grande novidade na história brasileira, de raízes realmente populares, criado de baixo para cima, e que se tornou o maior partido de esquerda do mundo.
Todavia temíamos e muito a inércia da nossa cultura política, a doença genética do bacharelismo e do anel de doutor, o poder dos ilustrados e endinheirados sobre o povão desinformado e manipulado. A tal "falta de preparo" de nosso líder operário, apesar de fabricada com os ardis daqueles que só defendem a "democracia da gravata lavada", como diz a Circular dos Liberais de 1860, podia ser constrangedora. Tinha razão Einstein quando dizia ser mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito.
A vitória de Lula pode mostrar que o preconceito foi parcialmente quebrado, mas não se extinguiu. Lula presidente será injustamente cobrado pelo que os doutores fizeram e por aquilo que ele não poderá fazer em "tempo real". Já avisou que milagres são impossíveis e que não governará sozinho, mas com uma equipe preparadíssima, além de querer a participação da sociedade organizada, bandeira do PT na prática da democracia participativa.
Os próprios acusadores do "despreparo" serão os primeiros a dele exigir um desempenho de santo milagreiro. Essa será uma das primeiras armadilhas a serem desarmadas. Armadilha que é, de certo modo, a contrapartida do terrorismo eleitoral que sempre marcou as campanhas antipetistas.
Vale a pena lembrar. Na campanha de 1989, empresários e políticos ditos "modernos" votam em Collor, mesmo sem confiar nele, tornando-se cúmplices da vileza contra o PT e seu candidato. Em 1994, Mário Amato vaticina que a vitória de Lula provocaria a debandada dos empresários do país. Em 1998, nova investida contra Lula ameaça com descrédito no exterior, fuga de capitais, violência no campo e nas cidades etc.
A retórica do caos venceu todas, como uma espécie de "destino manifesto" do poder de nossas elites. E a classe média, refém do medo e da TV Globo, duas vezes referendou a contrafacção da social-democracia à moda tucana. Coitada, pagou -pagamos- a conta e pouco recebeu da mão espalmada do presidente sociólogo, que prometeu emprego, educação, saúde, segurança e reforma agrária. O povão continuou a comer o pão que o diabo amassou.
Hoje tais recordações servem para vacinar os que ainda acreditam na eficácia do terrorismo eleitoral. Pela quarta vez, Lula enfrentou a velha satanização, mas conseguiu o apoio de ampla maioria do povo, para si e para seus candidatos nos Estados e para o Legislativo. Como isso foi possível? Creio que cinco pontos merecem destaque:
O povo, profundamente insatisfeito com o governo de FHC, passou a acreditar que "uma mudança para melhor" era possível e que o risco da incerteza é preferível à estagnação com desemprego e falta de perspectivas;
O povo aprendeu, a duríssimas penas, a confiar em alguém que veio também do povo, valorizando a ascensão de Lula com orgulho, o que não acontecia antes;
As classes dominantes não conseguiram dirigir o processo eleitoral -tiveram que engolir, admiradas e ciumentas, a eficiente atuação das lideranças do PT e do próprio Lula no processo de ampliação de alianças "para o centro", com partidos, empresários, com as chamadas "forças vivas da nação", legitimando-se para conduzir democraticamente um necessário pacto social;
O PT elaborou, com engenho e arte, um programa de governo com participação dos melhores especialistas do país e o transformou em linguagem acessível para público de rádio e TV;
Líderes e militantes do PT conseguiram explicar a defesa dos direitos humanos, entendidos como direitos e liberdades individuais, mas também direitos sociais, econômicos e culturais.
Lula respondeu à retórica do medo com otimismo e esperança, e é isso que todos querem, esperança na pátria amada, Brasil.


Aqui no Brasil, Derrocta não acreditava que um metalúrgico chegasse à Presidência da República. Nos Estados Unidos também não acreditaria que um negro pudesse ter chances reais de ocupar a Casa Branca.
Este mesmo fervor que Derrocta sentia em 2002 estamos vendo nestes dias. Ms. Zelity terá que engolir o primeiro negro presidente dos Estados Unidos. Derrocta escreve: O povo, profundamente insatisfeito com o governo de FHC, passou a acreditar que "uma mudança para melhor" era possível e que o risco da incerteza é preferível à estagnação com desemprego e falta de perspectivas.
Alguma coisa diferente do que está acontecendo nos Estados Unidos? George W. Bush é o presidente mais impopular da história dos Estados Unidos. Mas, logo será esquecido. Barack Obama representa esta “mudança para melhor!, não é mesmo?
Gerald Backer escreve no jornal britânico The Times que Hillary Clinton e os republicanos não souberam ouvir as vozes dos americanos que pediam “change” ou, no bom português, “mudança para melhor”. Só Obama ouviu, afinal, ele é o escolhido. Ou como decretou o profeta autoproclamado Arnaldo Jabor: “Deus é Pai e Obama vai ganhar”.
Tem gente que não aprende mesmo. Tem gente que parece que gosta de ser iludido por discursos no estilo auto ajuda. Mudar? Mudar para onde? Assim como Derrocta escreve que os petistas conseguiram explicar tudo direitinho para a população, Jabor falou ontem que só os democratas podem fazer alguma coisa de bom nos Estados Unidos.
Obama é o Lula deles. O cara que só fala o que o povo quer ouvir. Depois não venha o Jabor chorar as mágoas, as ilusões, as tristezas. Quando a Maria Victória Benevides, esta não tem solução. Se em 2002 ela escrevia o que vai aí acima e continua acreditando no que escreveu até hoje não tem solução. Não tem solução e nem mudança.

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