Uma recente reportagem do jornal New York Times mostrou como os designers de moda do Japão vêm contribuindo para aplacar entre os cidadãos e, principalmente, as cidadãs do país o medo do ladrão que crescentemente os domina. Um dos inventos é uma saia vermelha que, lisa por fora, sem nada que a distinga de uma banal saia comprida, se transforma numa falsa máquina de vender Coca-Cola. A saia é composta de várias camadas. Uma vez desdobrada pela portadora, e levada até a cabeça, revelará, do lado do avesso, o logotipo da Coca-Cola e demais imagens que identificam uma máquina de vender refrigerantes. O modo de acionar o engenho não requer prática nem habilidade. Cada vez que, numa rua, vir despontar um tipo suspeito, a usuária se recolherá a um canto, como Clark Kent quando quer virar Super-Homem, e se cobrirá com sua mágica saia. Lá permanecerá, imóvel, encostada à parede. O ladrão, a menos que esteja tomado do desejo de, bem naquele momento, beber uma Coca-Cola – o que, convenhamos, é uma hipótese remota –, passará sem desconfiar da presença de uma possível presa.
Não é brincadeira. Nem se trata, a saia criada pela estilista Aya Tsukioka, de 29 anos (o nome e a idade vão para amansar os incréus), do único produto do gênero. Há também a bolsa que se transforma numa dessas tampas de ferro que, nas ruas, dão acesso aos encanamentos e à fiação subterrânea das cidades. A bolsa, redonda, chata e cinzenta, é uma exata imitação desse tipo de tampa. Vai sua portadora pela rua quando vê despontar o suspeito. Numa manobra rápida e discreta, ela joga a bolsa no chão. Claro que não poderá andar com a bolsa estufada de objetos, sob pena de a suposta tampa exibir uma suspeita protuberância. Ao contrário da maioria das mulheres, terá de ser contida, e não levar senão uma magra carteira e outros poucos e delgados itens.
Outro artefato ainda, este para uso das crianças, é uma mochila escolar que, virada pelo avesso, ganha a aparência de extintor de incêndio. O surto de criações destinadas a espantar o ladrão mostra que os japoneses andam preocupados – e isso num país que, segundo nota a reportagem do New York Times, apresenta índices de criminalidade sete vezes mais baixos do que os dos Estados Unidos. Se é assim com relação aos EUA, quanto será com relação ao Brasil? Nem é bom saber. O Brasil, sim, necessitaria de engenhos semelhantes. Que forma poderiam assumir por aqui?
Está afastada a hipótese de simplesmente importarmos os modelos japoneses. São raras, no Brasil, as máquinas de vender refrigerantes, e mais raro ainda é encontrá-las nas ruas. Isso não ocorre por acaso. Ao relento, elas só sobreviveriam umas poucas horas aos ladrões que lhes levariam as moedas e aos vândalos que as depenariam até o último fiapo da carcaça. Usar um tal disfarce, em nosso país, traria risco maior do que apresentar-se de peito aberto ao ladrão. As tampas de rua, por sua vez, nas cidades brasileiras costumam ser alvo dos ladrões, para venda no ferro-velho. O ladrão, por aqui, se sentiria atraído pela tampa. Ao descobrir que se tratava de uma simples bolsa, ele se sentiria logrado e, localizando o autor do embuste, o atacaria com redobrada fúria.
É preciso buscar soluções ajustadas à realidade brasileira. Se aqui faltam máquinas de vender refrigerantes, não faltam postos de gasolina. A saia poderia disfarçar a portadora numa bomba da Shell. Outra coisa que não falta no Brasil são farmácias. Para grupos de mulheres, a sugestão é que usem saias, cada uma imitando uma parte da fachada de um desses estabelecimentos. À aproximação do ladrão, elas se juntariam umas às outras e, como peças que se complementam, se fingiriam de farmácia. A menos que o ladrão, atormentado pela dor de cabeça, esteja justamente em busca de um analgésico ou, pior, venha com o plano de assaltar o caixa da farmácia – ambas hipóteses que, convenhamos, só se confirmariam em caso de muito azar –, estariam a salvo. Quanto à bolsa, se fabricada com esmero, para dar ilusão de profundidade, imitaria, em vez de tampa, um buraco. Jogada ao chão, ela se integraria sem susto à paisagem de nossas ruas.
Muitas outras sugestões podem ser apresentadas. Uma é a máscara de Luciano Huck. O fato de todo ladrão, no Brasil, saber que ele já perdeu seu Rolex é garantia de que o usuário não seria importunado. Outra é um disfarce do deputado ou senador à frente do escândalo do momento. Seja de humilhação, diante do concorrente imbatível, seja para proteger seus próprios valores, ao ladrão só restaria fugir. Outra ainda é uma capa que, desdobrada, faria do portador uma exata reprodução do ministro Nelson Jobim em farda de camuflagem. O produto estaria disponível em três versões, correspondentes ao grau de ameaça que se deseje impingir ao ladrão: o ministro só de farda, de farda e segurando um macaco e de farda e segurando uma sucuri. Idéias não faltam, nem faltarão outras, melhores. Os estilistas do Brasil estão convocados a, tal como os colegas japoneses, dar sua contribuição para o sossego nas ruas.