terça-feira, 18 de novembro de 2008

Lacerda diz que faria tudo de novo

Por Vasconcelo Quadros
no Jornal do Brasil

Há 78 dias afastado do cargo, o delegado Paulo Lacerda mantém sua rotina de trabalho, despachando numa sala em reforma no anexo do Palácio do Planalto. Indiferente aos rumores sobre sua exoneração, ele analisa informações e, depois da tradicional triagem, repassa o conteúdo ao seu superior imediato, o general Jorge Felix, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o contato direto com o gabinete do presidente Lula.
Discreto e sereno, Lacerda não dá entrevista, mas nas conversas informais com assessores e visitantes, não esconde a indignação com o rumo da Operação Satiagraha e as suspeitas de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria agido ilegalmente ao colaborar com a Polícia Federal nas investigações que levaram o banqueiro Daniel Dantas à cadeia.
– A cooperação foi legal, mas só a justiça pode dizer se houve algum desvio. Eu repetiria tudo de novo. Se tivesse sido feito o pedido, em vez dos 82 agentes, teria cedido 300 da Abin para ajudar o delegado Protógenes Queiroz – disse Lacerda a um interlocutor.
O delegado se sente constrangido com a hipótese de falso testemunho levantada por integrantes da CPI do Grampo – que pedem seu indiciamento – e diz que só o juiz federal Fausto De Sanctis poderá dar a palavra final sobre a legalidade ou não da cooperação. Numa decisão por 2 votos a 1, o juiz foi mantido ontem no caso Daniel Dantas pelo Tribunal Regional Federal (TRF) de São Paulo. O ministro da Justiça, Tarso Genro, decidiu, também ontem, recorrer à Advocacia Geral da União (AGU) para que o juiz federal Ali Mazloum reconsidere a decisão que impede a Abin de participar da força-tarefa que vai analisar os documentos apreendidos na semana passada no escritório da agência.
Lacerda dirigiu a Polícia Federal durante cinco anos e meio e diz que a integração entre os dois órgãos ocorreu em várias outras operações. A diferença é que desta vez foi um apoio ostensivo, com uma média de 20 agentes atuando diariamente no coração das investigações – um contingente raramente cedido nesse tipo de parceria. Além disso, a direção da PF não foi informada da parceria. O apoio foi intensificado em abril, depois que o delegado Protógenes Queiroz, convocado por seus superiores para dar explicações a uma jornalista sobre as investigações que conduzia sob sigilo, passou a suspeitar que seus próprios chefes pudessem ter vazado a operação.

Honra

Lacerda acha que por se tratar de um alvo do perfil de Daniel Dantas, os 82 agentes representavam um apoio à altura do desafio. Segundo ele, os críticos da Abin esqueceram de citar outros órgãos, como o Banco Central, a Receita Federal, Controladoria Geral da União (CGU) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que ajudou a bloquear dinheiro do Fundo Opportunity no exterior.
Nos bastidores, o delegado se queixa do comportamento da PF que, na sua avaliação, tem feito um esforço desproporcional para apanhar Protógenes e, por tabela, causar o desgaste que ameaça seu retorno ao cargo. Na sua avaliação, voluntária ou involuntariamente, esse tipo de ação expõe um choque entre órgãos públicos e, por tabela, favorece a defesa do banqueiro. Lacerda afirma que não está preocupado em manter o emprego. Os pouco mais de R$ 4 mil que ganha como diretor da Abin pouco acrescentam à sua renda. Seu problema é moral.
– Tentaram atingir minha honra. Quero que o governo se convença de que não houve ilegalidade. Não quero deixar dúvida nenhuma – disse a um interlocutor, ao se referir às suspeitas de possa ter se envolvido com o suposto grampo no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, ou que haja ilegalidade na cooperação da Abin à PF.
Lacerda tinha como meta reestruturar a Abin e sabia que seu maior desafio era retirar o estigma da espionagem clandestina que acompanha o órgão desde a ditadura militar e que agora, por ironia, voltou-se contra ele. Os assessores acham que ele não tem "estômago" para suportar a fritura em fogo brando, que deve ser prolongar até a virada do ano, mas ele estabeleceu como limite para definir seu destino a conclusão do inquérito policial.

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