terça-feira, 16 de setembro de 2008

Contestado tempo de permanência

Por Ana Paula Verly
no Jornal do Brasil

Especialistas em segurança pública e candidatos contestam a eficácia da permanência de três dias das Forças Armadas nas favelas do Rio no período pré-eleitoral. Estipulado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o prazo é classificado como insuficiente para garantir a tranquilidade dos moradores de áreas controladas pelo tráfico de drogas e pelas milícias às vésperas das eleições. Para os que enxergam alguma vantagem na vinda das tropas os soldados deveriam permanecer até o dia do pleito. Quem é contra a medida ressalta que a rápida passagem dos militares pelas favelas é um paliativo do Estado para contornar a deficiente política de segurança pública.
– Isso é de um cinismo sem tamanho das autoridades. Uma vergonha nacional. Três dias não resolvem nada. A questão é de reintegração de posse. O Brasil ainda não acordou para o fato de que as quadrilhas tomaram posse das comunidades. Então, tomam-se atitudes provisórias – critica o chefe dos departamentos de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Valter Duarte.
Para o especialista, as regiões sob influência política de quadrilhas têm de ser recuperadas e reintegradas ao Estado. A situação, segundo ele, é grave e humilhante e ainda não sofreu uma medida eficaz por dizer respeito à população carente, julgada menos merecedora do direito à segurança nacional.
O porta-voz do Comando Militar do Leste, coronel André Luís Novaes, explica que a presença das tropas não tem como função a segurança pública. Mas garantir o livre acesso da fiscalização eleitoral, dos candidatos e da imprensa às áreas violentas. De acordo com o coronel, a solicitação do TRE previa a ocupação das 28 comunidades do Rio, mas o Exército não dispõe de efetivo para ocupar todas as áreas de forma permanente.
– Concluímos que três dias em cada lugar daria para ocupar todos no tempo necessário. Considero o prazo adequado aos objetivos. Se entrássemos com pouco efetivo em cada uma, o risco ia ser maior. Haveria confronto com danos colaterais e não desejávamos isso – justificou o porta-voz da Operação Guanabara.
Segundo Novaes, dois dias já seriam suficientes para o cumprimento das metas e o terceiro, apenas para estender o prazo.
– Como segurança pública, três dias são irrisórios. Mas a operação não é de segurança pública – frisou.

Desrespeito aos moradores

Chico Alencar (Psol) desconsidera as justificativas e classifica como hipocrisia e desrespeito à população o prazo de validade da ação militar.
– Passada a duração, o que acontece com os moradores? Ficam entregues à opressão de sempre – conclui Alencar.
Paulo Ramos (PDT) acrescenta que a ação efêmera, em vez de ajudar, prejudica a imagem da cidade e acentua a pobreza das áreas ocupadas.
– Isso é uma grande mentira, um esquema absurdo que não presta segurança alguma. Só estigmatiza o Rio e prejudica o turismo – critica o candidato Paulo Ramos (PDT). – O que o Rio precisa é de uma política de segurança baseada na prevenção – sugere.
Para Fernando Gabeira (PV), o efeito de três dias é limitado, mas é melhor do que nada.
– Em alguns lugares, a apreensão de material de campanha pelo TRE, aproveitando a presença dos militares, pode inibir um pouco questão do monopólio de alguns candidatos. Mas isso é muito pouco – lamenta Gabeira.
Solange Amaral (DEM) teme que os três dias se transformem em "oba oba".
– A cidade precisa sempre de segurança e da ajuda do Exército. Três dias em cada lugar pode dar para fazer uma foto – observa.
O coordenador do curso de especialização em políticas públicas de justiça criminal e segurança pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Kant de Lima, não vê sentido na ocupação. Segundo ele, o "remédio temporário" não apaga os mapas eleitorais que permanecerão nas comunidades depois do pleito.
– As pessoas votam ali. O candidato vai saber o número de votos que ele teve ou não, o que pode gerar represálias. Isso devia ser algo permanente, pelo menos até o segundo turno, para manter de alguma forma a segurança da população – defende.
O coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, Ignácio Cano, chama de algo "simbólico" a vinda das tropas. Ele avalia que três dias servem apenas para amenizar o monopólio dos grupos que controlam as favelas.
– Três dias não vão mudar a situação. Servem apenas para suaviza a sensação de que esses territórios estão fora de controle. Mas a coação não se muda em três dias. A impressão é a de que visa mais preservar o direito de o candidato fazer campanha do que o de moradores de aceitar a intervenção.

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