sábado, 29 de dezembro de 2007

Governo perde CPMF, mas obriga banco a repassar dados de clientes

Por Adriana Fernandes e Renata Veríssimo
no Estado de São Paulo

Com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o governo criou ontem um instrumento de fiscalização das operações financeiras, ainda mais poderoso que o imposto do cheque, para farejar indícios de sonegação e evasão fiscal. A decisão serviu de munição para os críticos da CPMF, que já vinham apontavam contradição no discurso do governo de que a prorrogação do tributo era fundamental para caçar os sonegadores.Para criar o instrumento, o governo não precisou nem de uma nova lei. Bastou uma instrução normativa da Receita Federal, publicada ontem no Diário Oficial da União, regulamentando artigo da Lei Complementar 105 que trata do acesso a informações bancárias. Polêmica, a lei de 2001 é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente violar o sigilo bancário garantido na Constituição, ao permitir o acesso a dados dos contribuintes sem autorização judicial.A partir de 1º de janeiro, as instituições financeiras terão de repassar semestralmente à Receita informações sobre as operações financeiras que ultrapassem, no período de seis meses, R$ 5 mil para clientes pessoa física e R$ 10 mil para empresas. A regra vale para cada modalidade de operação financeira, não apenas aquelas anteriormente alcançadas pela CPMF: lançamentos de débito, como saques e pagamentos.O poder de fiscalização da Receita vai aumentar e englobar, entre outras, informações de aquisições de venda de títulos e ações em bolsas de valores, no mercado futuro, no mercado de opções, compra de moeda estrangeira, ouro e remessa de moeda estrangeira ao exterior.
LIMITES
Se o limite for ultrapassado por uma única operação, o banco está obrigado a prestar informações sobre as demais transações, mesmo que os valores fiquem abaixo do limite estabelecido. Os bancos terão de identificar os titulares das operações pelo número do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Apesar da obrigação de envio dos dados ser semestral, as movimentações terão de ser detalhadas mês a mês.O coordenador-geral de Fiscalização da Receita, Marcelo Fisch, reconheceu ontem que o novo mecanismo é tão eficiente quanto a CPMF no combate à sonegação. Assegurou que, do ponto de vista da fiscalização, o fim da CPMF não trará prejuízos, já que a Lei 105 permitia ao órgão ter acesso a informações da movimentação bancária.Segundo Fisch, a Receita não utilizou antes o instrumento porque um decreto de 2002 impedia a regulamentação, devido à existência da CPMF. Em 2003, a Receita, com base na Lei 105, instituiu a Declaração de Operações com Cartão de Crédito (Decred). Hoje, ela é enviada à Receita pelas empresas administradoras de cartão de crédito, quando os gastos superam R$ 5 mil mensais. Com a regulamentação baixada ontem, as informações de cartão de crédito terão de ser repassadas quando superarem R$ 5 mil por semestre, alcançando um número maior de pessoas.Fisch e informou que, em janeiro, a Receita editará normas definindo o modelo da declaração das informações das operações que já eram alcançadas pela CPMF. As demais, como aquisições de ações, serão regulamentadas depois.Para o ex-secretário da Receita Everardo Maciel, o governo não corria o risco de perder o instrumento de fiscalização: “É um mito a argumentação de que sem a CPMF não há como fiscalizar.” Everardo já havia dito que a CPMF não era “ insubstituível”.
SOB CONTROLE COMO ERA COM A CPMF
As instituições financeiras eram obrigadas a encaminhar periodicamente à Receita Federal uma declaração contendo informações globais sobre a movimentação financeira de seus clientes, com base nos valores registrados com a cobrança da CPMFO sistema de fiscalização abrangia especificamente os lançamentos a débito, como saques e pagamentosNão havia um limite mínimo de movimentação para que a instituição fosse obrigada a realizar o envio das informações Os bancos tinham obrigação de encaminhar a declaração à Receita Federal trimestralmenteCom base nos dados coletados, a Receita realizava um cruzamento dos gastos referentes à CPMF com outras bases de dados, como a do Imposto de Renda da Pessoa Física. A partir do resultado, o órgão verificava a existência de eventuais indícios de sonegaçãoCaso o cruzamento apontasse algum tipo de discrepância ou uma movimentação suspeita, a Receita Federal podia providenciar a abertura de um processo de fiscalização Com base na fiscalização realizada por meio da CPMF, a Receita podia requisitar extrato bancário dos contribuintes ou proceder ao exame de documentos, livros e registros
COMO SERÁ SEM A CPMF
As instituições financeiras terão que enviar à Receita informações sobre cada modalidade de operação financeiraHá limites: quando a movimentação de cada operação ultrapassar em seis meses R$ 5 mil para pessoa física e R$ 10 mil para pessoa jurídica. Se o limite ultrapassar para uma única operação, o banco é obrigado a prestar informações sobre todas as demais modalidades de operações As informações terão de ser enviadas semestralmente. O novo instrumento abrange não só lançamentos a débito (saques e pagamentos), mas também lançamentos a crédito (depósitos)A Receita terá que regulamentar o envio das informações para cada operação. Inicialmente, vai regulamentar as operações que já alcançadas pela CPMF. As demais, como aquisições de ações de bolsas de valores, serão regulamentadas depoisA partir das informações prestadas, se forem constatados indícios de irregularidades, a Receita estará autorizada a requisitar as informações e documentos que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.

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