domingo, 23 de dezembro de 2007

CPMF injeta R$ 102 bi na saúde, mas situação muda muito pouco

Por Ligia Formenti
no Estado de São Paulo

Em seus dez anos de existência, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) injetou R$ 102 bilhões no Orçamento da União especificamente para a saúde. O valor, equivalente a 38% das fontes de recursos da pasta, pouco ajudou para a melhoria do atendimento. Ainda hoje, 13 milhões de hipertensos e 4,5 milhões de diabéticos não têm acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). Situação semelhante é enfrentada pela legião de pacientes de tuberculose, malária e hanseníase. Estima-se que 25% dos portadores dessas doenças estão sem tratamento. Além disso, 10 milhões de obesos não são atendidos de forma adequada no sistema público.A estrutura também deixa a desejar. O número de aparelhos para exames de mamografia ou para tratamento de radioterapia é insuficiente em várias partes do País. Pela estimativa do Ministério da Saúde, 90 mil brasileiros por ano ficam na fila aguardando vaga para radioterapia. Cerca de 1 milhão de pessoas com deficiências estão na fila esperando próteses.Outro problema é o valor defasado pago para consultas médicas. Para fazer um parto, por exemplo, o SUS repassa para serviços R$ 354. Na rede particular, o mesmo procedimento tem remuneração de R$ 748. A defasagem na tabela foi um dos estopins da grave crise dos serviços registrada há poucos meses no Nordeste. Por todo o País, dramas do caos na saúde se repetem diariamente (leia nesta página).
PORTAS
O consultor Gilson Carvalho tem uma explicação para o impacto pouco representativo da CPMF na saúde. Desde o início, a contribuição não foi considerada dinheiro novo - mas uma fonte substituta de recursos.“A CPMF entrava por uma porta e, por outra, saíam as formas tradicionais de financiamento”, observou o especialista. Ao longo destes dez anos, a contribuição foi responsável por 32% do orçamento da pasta. Caso esse dinheiro não tivesse se transformado apenas em substituto de outras fontes, avaliam especialistas, a situação hoje poderia ser melhor.“Recursos são importantes. Mas, se não há compromisso de governo, verba extra acaba sendo usada para outro fim”, observa o diretor do Centro Paulista de Economia da Saúde da Universidade Federal de São Paulo, Marcos Bosi Ferraz. Foi o que ocorreu com o imposto do cheque. Em vez de melhorar a saúde, foi usado para tapar buraco de outras formas de financiamento. Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou.O professor avalia que o clima de luto instalado no governo com o fim da CPMF está muito mais atrelado a razões políticas do que técnicas. “O cenário atual é muito diferente daquele vivido há dez anos, quando a contribuição foi criada”, observa. “Há mecanismos importantes que podem ser usados para compensar o fim da CPMF.”
PRIORIDADES
Para Ferraz, o mais importante para a melhoria no atendimento de saúde é a definição de prioridades e o uso correto dos recursos. “O sistema há tempos padece de um problema crucial: querer financiar tudo, sem qualquer critério. É óbvio que tal política é insustentável.”Prova do descontrole é o grande número de esqueletos de obras - sobretudo hospitais - que nunca são concluídas. “Muitas dessas construções serviram mais para atender a interesses momentâneos do que a necessidades reais”, observa Ferraz.O presidente da Associação Paulista de Medicina, Jorge Machado Curi, está convicto de que há formas de o sistema público de saúde passar bem neste período pós-CPMF. “Foi criado o clima de terrorismo, tentando mostrar que a CPMF era indispensável. Mas o País viveu sem ela durante bom tempo. Não soube fazer bom uso do recurso, paciência.”
DILEMA
Nesta nova fase, o governo enfrenta outro dilema. Ao longo da discussão da CPMF, reconheceu que a saúde é subfinanciada, que há falhas no sistema que precisam ser superadas. E agora, mesmo sem contar com o imposto do cheque, tal tarefa terá de ser cumprida. “É um imperativo moral”, define Gilson Carvalho.Esse debate será retomado no próximo ano, com as discussões sobre a regulamentação da Emenda 29, que fixa um piso para gastos na área de saúde. Na Câmara, foi aprovada uma versão que atrelava os gastos mínimos da União aos recursos extras - que viriam com a CPMF. “Foi uma chantagem, não há outra definição”, afirmou o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG).A saída, avalia ele, será colocar em votação projeto do senador Tião Viana (PT-AC), cujo texto era muito parecido com a proposta original da Câmara. “Assim como o texto original da Câmara, ele prevê que a União deverá destinar 10% de seu Orçamento para a saúde”, disse o deputado.

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