quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Sintomas de recessão derrubam mercados

Por Clóvis Rossi e Fernando Canzian
na Folha de São Paulo

A China diminuiu a compra de cobre, sinal de que a grande usina global de crescimento está se desacelerando. A Hungria, uma das estrelas do novo capitalismo pós-colapso do comunismo, entrou na lista de países que podem dar o calote. O Departamento de Comércio norte-americano anuncia queda de 1,2% nas vendas em setembro, o dobro do previsto pelos analistas, e o terceiro mês consecutivo de queda, o que não ocorria há 16 anos. No Reino Unido, o desemprego no trimestre de junho a agosto foi de 5,7%, maior taxa desde 2000.Ante esses dados -apenas uma curta seleção da catarata de más notícias que inunda a economia global-, alguma surpresa com o fato de que as Bolsas de Valores tenham reiniciado o banho de sangue que praticaram na sexta-feira mas fora suspenso nos dois primeiros pregões da semana?A única surpresa poderia ser o fato de que a Bovespa foi a maior vítima da sangria entre os mercados mais importantes: caiu 11%, mesmo depois de a sessão ter sido suspensa quando a queda atingia os 10% que acionam o "circuit breaker".Mas embora ninguém ainda preveja recessão no Brasil, mas desaceleração, a ameaça de recessão global (ou a realidade de que vários países importantes já entraram nela) ajuda a explicar o comportamento da Bolsa brasileira, muito concentrada nas commodities que exportamos ao mundo em crise.No mundo desenvolvido, a catarata de más notícias colheu ontem o Reino Unido: o desemprego subiu meio ponto percentual, para 5,7%, o que significa 1,79 milhões de desempregados, a caminho dos 2 milhões no fim do ano. O ritmo de postos de trabalho decepados é o mais veloz em 17 anos.Na véspera, as más notícias haviam surgido da Alemanha, que antecede o Reino Unido entre as grandes da Europa, e também das três que vêm a seguir da economia britânica: França, Itália e Espanha.Do outro lado do Atlântico, relatório do BC da maior potência do planeta revelou queda no consumo da famílias americanas, corte nos investimentos das empresas e diminuição da oferta de crédito para pessoas físicas e empresas no mês passado. E sinalizou que, depois do corte de juros com outros cinco BCs na semana passada, pode reduzir ainda mais a taxa, hoje em 1,5%.De novo, alguma surpresa com a queda de 7,87% no índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, a maior desde 1987 (o ano do crash também foi o limite do S&P 500, que caiu 9,03%), acima das perdas de 5,06% da Espanha, dos 7,16% de Londres, dos 6,49% de Frankfurt e dos 6,82% de Paris? Salvou-se só Tóquio, que fechou antes de as más notícias ganharem força. Subiu 1,06%. Hoje, porém, a Bolsa japonesa caía 9,55% até o fechamento desta edição.Talvez a pior notícia tenha vindo da China: Tom Albanese, presidente-executivo da Rio Tinto, avisou que a expectativa de desaceleração no país que mais cresce no mundo levou essa empresa de mineração a rever seus planos de gastos em produção de cobre.Detalhe relevante: a China é o maior consumidor mundial não só de cobre, mas também de aço, carvão e alumínio.O país responde por 40% da demanda por essas commodities. Se as empresas desses setores agirem como a Rio Tinto, a desaceleração global tenderá a ganhar velocidade alucinante.A única -e tímida- boa notícia vem dos juros que os bancos cobram para emprestar uns aos outros: na Europa, caíram pelo quarto dia consecutivo, para ficar em 5,312%, a mais baixa desde 27 de agosto. Mas ainda está longe dos 3,75%, que é a taxa para os demais setores.A queda é um sinal de que vem cedendo ligeiramente, muito ligeiramente, a desconfiança que emperra a máquina do crédito entre os bancos.Pior: o banco suíço UBS e a seguradora alemã Münchener Rück avisam que há probabilidade de novas quebras de banco no futuro não remoto.O presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, foi um pouco no mesmo caminho, em debate no Congresso: disse que, no ambiente de crise no setor financeiro, "é provável que se produzam situações de fusão ou consolidação [de bancos]". Fusão ou consolidação é uma maneira de evitar quebras.O premiê da Itália, Silvio Berlusconi, joga mais gasolina no fogo, com uma pitada de conspiração internacional: diz que "há notícias de que países produtores de petróleo, que têm muitos recursos, estão comprando maciçamente em nossos mercados". Completa: "No momento, é uma ótima ocasião para aqueles que, dispondo de capital -e penso nos fundos soberanos-, façam uma ofensiva hostil [sobre empresas européias enfraquecidas]".Em todo o caso, o premiê italiano não parece excessivamente preocupado com a gangorra das Bolsas: "A Bolsa é também o teatro da especulação. Vocês sabem que pode se ganhar muito seja quando as Bolsas estão no pico, seja quando estão no nível mínimo".A explicação pode ser realista, mas faz um ano que as Bolsas abandonaram o pico e só têm descido a ladeira.

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