domingo, 31 de agosto de 2008

Gilmar Mendes é espionado, cobra explicação de Lula e convoca STF

Por José Maria Tomazela
no Estado de São Paulo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, vai reunir a Corte para decidir que medidas serão tomadas após a confirmação de que ele e outros políticos foram alvos de grampos ilegais. Ele também quer explicações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito das gravações. Reportagem publicada neste fim de semana pela revista Veja mostra que os serviços de espionagem federais instalaram grampos telefônicos ilegais nos aparelhos de Mendes, como já se suspeitava. A Veja atribuiu a ação à Agência Brasileira de Inteligência (Abin).Depois de uma conversa com o vice-presidente do Supremo, Cesar Peluso, Mendes decidiu convocar todos os 10 ministros para discutir o assunto amanhã às 16 horas. Segundo ele, todos estão “perplexos e chocados” com a revelação dos grampos. Por causa da crise, ele cancelou uma viagem que faria à Coréia, onde participaria de um congresso - o vôo estava marcado para amanhã à noite.O presidente do Supremo considerou “um crime extremamente grave” a interceptação telefônica clandestina e disse que é o caso de cobrar explicações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Nesse caso, o próprio presidente da República é chamado às falas, ele precisa tomar providências.” Para ele, há descontrole no aparato estatal.Mendes ressalvou estar convencido de que o presidente não autorizou os grampos. “Não se trata de uma ação pessoal contra Gilmar Mendes, mas contra um dos poderes da República”, observou. De acordo com informações passadas por um agente da Abin à revista, também foram grampeados o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), e os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), Álvaro Dias (PSDB-PR), Demóstenes Torres (DEM-GO) e Tião Viana (PT-AC). Outras vítimas dos grampos foram os ministros da Casa Civil, Dilma Rousseff, e das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, além de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula.Não há detalhes das conversas deles capturadas pelo serviço de espionagem. “Estamos voltando a ver uma prática continuada e reiterada de desrespeito aos termos expressos na Constituição. Temos que repudiar de maneira muito clara”, disse Mendes. Ele afirmou que, com as provas existentes, é preciso haver medidas muito mais enfáticas e enérgicas. “Há descontrole no aparato estatal e a isso precisa ser colocado um termo. Escuta telefônica só se faz mediante autorização judicial e essa regra precisa ser seguida. Grampear uma conversa rotineira entre o presidente do Supremo Tribunal Federal e um senador líder do Senado e importante autoridade na Comissão de Constituição e Justiça é um crime muito grave. Criou-se uma suspeita geral de que todos estão agindo ilicitamente.”Ele manifestou preocupação com a “generalização” da prática. “A pergunta que nós fazemos é que garantia tem o cidadão comum, se o órgão que assegura as garantias sofre esse tipo de violação.” Mendes disse não saber como o homem comum pode se defender desse tipo de abuso. “Não se trata de nenhum medo de ser interceptado, não há nenhum medo, não há nenhum conteúdo criminoso nas nossas conversas, mas se trata de se preocupar com a restituição do Estado de Direito e de estabelecer seguranças jurídicas para todos.”
CONTRAMEDIDAS
Mendes disse que as medidas de segurança no gabinete já vinham sendo providenciadas. “Mas o que o cidadão comum faz diante desse tipo de invasão? Ele compra telefone criptografado, ele adota redes especiais?”, questionou.A prova de que Gilmar Mendes foi mesmo vítima da arapongagem é a transcrição de uma conversa de cerca de dois minutos entre ele e o senador Demóstenes Torres, ocorrida às 18h32 do dia 15 de julho, trazida pela revista. No telefonema, Demóstenes pede a Gilmar ajuda contra a decisão de um juiz de Roraima que teria impedido uma importante testemunha de depor na CPI da Pedofilia, da qual é relator. No diálogo, Mendes agradece a Demóstenes por ter subido à tribuna do Senado para criticar pedido de impeachment contra ele, feito por um grupo de promotores descontentes com habeas corpus dado a Daniel Dantas. Na época, a PF acabara de concluir a Operação Satiagraha, que prendera Dantas, acusando-o de uma série de crimes, entre eles lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção. De acordo com Veja, as gravações ilegais feitas pela Abin servem de base para relatórios que são entregues ao presidente. Isso, diz a revista, não quer dizer que o presidente Lula saiba dos grampos.
O DIÁLOGO INTERCEPTADO E DIVULGADO PELA VEJA
Gilmar Mendes - Oi, Demóstenes, tudo bem? Muito obrigado pelas suas declarações. Demóstenes Torres - Que é isso, Gilmar. Esse pessoal está maluco. Impeachment? Isso é coisa para bandido, não para presidente do Supremo. Podem até discordar do julgado, mas impeachment...
Gilmar - Querem fazer tudo contra a lei, Demóstenes, só pelo gosto...
Demóstenes - A segunda decisão foi uma afronta à sua, só pra te constranger, mas, felizmente, não tem ninguém aqui que embarcou nessa 'porra-louquice'. Se houver mesmo esse pedido, não anda um milímetro. Não tem sentido.
Gilmar - Obrigado.
Demóstenes - Gilmar, obrigado pelo retorno, eu te liguei porque tem um caso aqui que vou precisar de você. É o seguinte: eu sou o relator da CPI da Pedofilia aqui no Senado e acabo de ser comunicado pelo pessoal do Ministério da Justiça que um juiz estadual de Roraima mandou uma decisão dele para o programa de proteção de vítimas ameaçadas para que uma pessoa protegida não seja ouvida pela CPI antes do juiz.
Gilmar - Como é que é?
Demóstenes - É isso mesmo! Dois promotores entraram com o pedido e o juiz estadual interferiu na agenda da CPI. Tem cabimento?
Gilmar - É grave.
Demóstenes - É uma vítima menor que foi molestada por um monte de autoridades de lá e parece que até por um deputado federal. É por isso que nós queremos ouvi-la, mas o juiz lá não tem qualquer noção de competência.
Gilmar - O que você quer fazer?
Demóstenes - Eu estou pensando em ligar para o procurador-geral de Justiça e ver se ele mostra para os promotores que eles não podem intervir em CPI federal, que aqui só pode chegar ordem do Supremo. Se eles resolverem lá, tudo bem. Se não, vou pedir ao advogado-geral da Casa para preparar alguma medida judicial para você restabelecer o direito.
Gilmar - Está demais, não é, Demóstenes?
Demóstenes - Burrice também devia ter limites, não é, Gilmar? Isso é caso até de Conselhão. (risos)
Gilmar - Então está bom.
Demóstenes - Se eu não resolver até amanhã, eu te procuro com uma ação para você analisar. Está bom?
Gilmar - Está bom. Um abraço, e obrigado de novo.
Demóstenes - Um abração, Gilmar. Até logo.

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