domingo, 31 de agosto de 2008

Clientelismo cresce na brecha da lei

Por Ana Paula Verly e Paula Máiran
no Jornal do Brasil

Pelo menos a metade dos 50 vereadores do Rio garante a eleição por meio do clientelismo, de acordo com estimativa do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Além da posse, direta ou indireta, de centros sociais, os políticos com mandato em curso têm usado a máquina pública como ferramenta de autopromoção. Os currais clientelistas se expandem a cada pleito por entre brechas da legislação eleitoral.
Entre os cinco vereadores mais votados em 2004, Rosa Fernandes (DEM), de Irajá, na Zona Norte, Lucinha (PSDB), de Campo Grande, na Zona Oeste, e Jorge Pereira (PT do B), da Ilha do Governador, expoentes desse gênero, demonstram tamanha eficácia na solução dos problemas dos seus eleitores que as suas imagens chegam a se confundir com a da própria máquina pública. O difícil é caracterizar o ilícito.
E o esforço do TRE de fiscalização parece que não tem surtido efeito contra o poder eleitoral clientelista. A concentração de votos em áreas específicas é a prova do sucesso nas urnas de um modelo político herdado do tempo do chaguismo.
No caso de Rosa, 65,28% de seus 99.943 votos se concentraram em apenas cinco bairros da Zona Norte: Irajá, Madureira, Marechal Hermes, Vila da Penha e Cascadura. Lucinha não tinha centro social quando se elegeu pela primeira vez com 16 mil votos. Mas seu poder mais do que quadruplicou em 2004, quando obteve 67.073 votos, 80,5% dos quais em Campo Grande e em Santa Cruz. Hoje são seis os seus centros assistencialistas. Jorge Pereira não faz por menos: 83,7% de seus 44.497 votos são da Cacuia, Cocotá e Jardim Carioca, na Ilha, áreas onde ele mantém centro social e sete creches.
– Não há como restringir a prestação deste tipo de serviço. No momento, o TRE proíbe a inauguração de centro social no ano eleitoral, assim como mandamos tapar o nome do candidato nesses locais. Já o uso da máquina pública caracteriza um ilícito, pelo abuso do poder de autoridade, e pode resultar, assim como a compra de voto, em inelegibilidade – explica, sobre o que reza a lei eleitoral, o coordenador da fiscalização no Estado de propaganda eleitoral, juiz Luiz Márcio Victor Pereira.
Na fronteira tênue da legalidade, flutua o eleitor de Rosa, por exemplo, para quem é ela a responsável pelo asfalto nas ruas, poda de árvores, construção de praças e unidades de saúde, e ainda, acredite, resolve problema de falta d'água. Não o poder público. O telefone do escritório da vereadora no Irajá não pára: destino de reclamações corriqueiras que seriam de incumbência direta da prefeitura. E não há quem não saiba no Irajá o endereço, colado ao escritório da candidata, na Estrada da Água Grande, do centro social da vereadora. Isso a despeito de ela afirmar que nada tem a ver com serviços jurídico e médico ali oferecidos, em ambulatório cor-de-rosa, com clínica geral, ginecologia, psicologia e cromoterapia, onde ela atuou como psicóloga até 16 anos atrás, quando entrou na política.
– Não vejo nada de errado no que faço. Sou uma mediadora entre a população e o Executivo. É natural que pensem que o centro é meu porque eu sou a cara de Irajá, onde nasci e vivo até hoje. Essa cara de mocréia não tem jeito – defende-se Rosa, leoa que ruge, segundo o perfil no site da Câmara.
Procurados, Lucinha e Pereira não se pronunciaram.

Impacto perverso

O impacto da relação clientelista "não poderia ser mais perverso", segundo Isabel Ribeiro de Oliveira, cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
– Está se desviando a função do Executivo e se desvirtuando a função da Câmara, que não tem de prestar serviços assistenciais – constata a pesquisadora. – O político se apropriou da máquina do Estado como se fosse dele. A Câmara fica refém da prefeitura porque quer. Porque a lei garante autonomia imensa à Câmara. Mas hoje, há a fala imperial. Só falando com o rei é que resolve.

Nenhum comentário: