quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Tarso queria um segundo turno

Ainda sobre Tarso Genro. Ele diz que a oposição quer um “terceiro turno” quando critica a farra dos cartões corporativos. Como Fernando Henrique Cardoso ganhou a eleição de 1998 contra Lula no primeiro turno Tarso, na época, queria um segundo turno. No começo de 1999 ele escreveu um artigo para a Folha de São Paulo intitulado “Por novas eleições presidenciais”. Vai logo abaixo, na íntegra. Naquela época, criticar o governo não era uma tentativa de golpe. Seria Lula um irresponsável ao deixar seus ministros e assessores fazerem uma farra com o dinheiro público?

A nação brasileira está colocada diante do mais grave desafio da história da República. Precisamos definir rapidamente, diante do processo em curso de acelerada degradação nacional e de desagregação social, no bojo da nossa maior crise econômica do século, se o Brasil será uma nação soberana, capaz de afirmar sua autonomia no contexto internacional, ou se nos transformaremos definitivamente em servos de uma ordem global totalitária, que nos recusa o direito de partilhar minimamente das conquistas civilizatórias da humanidade.
O governo brasileiro já não dirige o país. Fernando Henrique abdicou da responsabilidade constitucional de governar, transferindo-a para os gestores dos organismos financeiros das grandes potências e para os especuladores internacionais. Perdeu a autoridade e a credibilidade -interna e externamente-, induzindo o país a uma situação de anomia cujo desfecho, ironicamente, vem sendo adiado apenas pela regulação predatória imposta pelo FMI, que organiza precariamente o caos para combinar seus dois objetivos estratégicos: esgotar todas as possibilidades de expropriação da nação e constituir mecanismos protetivos para minimizar os efeitos da "quebra" do Brasil nas economias de países hegemônicos.
O desfecho dessa situação de ingovernabilidade poderá ser ainda mais grave: são visíveis os sinais de que a deterioração econômica contém a possibilidade concreta de uma crise institucional, que poderá comprometer a ordem constitucional já debilitada e, pela via autoritária -tão sedutora para as nossas elites-, impor à sociedade os "ajustes" preconizados pela ordem global. Mesmo que para tanto o "poder real" tenha que sufocar a reação legítima da sociedade civil e, no limite, reprimir seletiva ou ostensivamente os movimentos sociais.
A nação brasileira, diante de um presidente apático, inepto e irresponsável, precisa reagir com os instrumentos que a Constituição autoriza, mobilizando todas as energias da sociedade civil na perspectiva da construção de um novo contrato social. Não de um "pacto social" -artifício de que as elites lançam mão em situações de risco para preservar seus interesses exclusivistas-, mas de um "contrato" que dê base à formação de uma nova maioria, na sociedade e no Parlamento, para recolocar o Estado a serviço da nação ameaçada. Um "contrato social" que viabilize a inserção soberana, interdependente e cooperativa do país na ordem internacional, que oriente a reintegração social e regional do país, que, enfim, tenha a capacidade de constituir os pressupostos de um projeto nacional capaz de conduzir o país a um patamar compatível com o atual estágio das conquistas científico-tecnológicas e com os valores democráticos e humanistas da modernidade.
Após frustrar irremediavelmente a generosa expectativa da nação, resta a Fernando Henrique uma única atitude: reconhecer o estado de ingovernabilidade do país e propor ao Congresso uma emenda constitucional convocando eleições presidenciais para outubro, dando um desfecho racional ao seu segundo e melancólico mandato, que terminou antes mesmo de começar.
A sociedade brasileira, democraticamente, precisa superar o estupor e a letargia e desencadear um amplo processo de mobilização capaz de articular todos os sujeitos interessados na reestabilização econômica e social do país, para sensibilizar o Congresso e chamar o presidente à razão.
Não se trata de propor um "pacto" para prolongar artificialmente a agonia da nação. Trata-se de reconstruir economicamente o país, o que só será possível pelo rompimento do círculo perverso de dependência ao capital especulativo, inaugurando um novo ciclo de desenvolvimento com geração de emprego, uma nova etapa de acumulação pública e privada, de proteção do parque produtivo instalado e de criação de um consistente mercado de massas. E de viabilizar o aprofundamento do Estado democrático de Direito, com a defesa da Constituição e das instituições nacionais e com a plena afirmação da cidadania, constituindo os fundamentos para um novo projeto nacional capaz de reconciliar o Estado com a sociedade e a história com o nosso destino de nação soberana.

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