quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A conclamação do FMI

Editorial do Estado de São Paulo

Quem puder deve gastar mais para injetar dinamismo na economia mundial, debilitada pela crise imobiliária americana, recomendou o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn. A crise, segundo ele, extravasou os mercados financeiros dos Estados Unidos e da Europa e começa a derrubar a atividade em todo o mundo. A conclamação foi feita no fim de janeiro, em Davos, durante reunião do Fórum Econômico Mundial, e repetida, com base em argumentação mais detalhada, em artigo publicado no diário britânico Financial Times. Para alguns comentaristas, o francês Dominique Strauss-Kahn, no posto desde 1º de novembro, abandona a tradição do FMI, ao defender a adoção de uma política fiscal expansionista por alguns governos do mundo rico e até por alguns do mundo emergente. É uma interpretação precipitada. A atitude do novo chefe do FMI é menos heterodoxa do que pode parecer e sua proposta é acompanhada de ressalvas importantes. Se algo chama a atenção, é o fato de Strauss-Kahn adotar uma atitude mais ousada que a dos dirigentes dos bancos centrais da União Européia e da Inglaterra. Não se deve esquecer, em primeiro lugar, a biografia de Strauss-Kahn. Como ministro da Economia de seu país, ele contribuiu para ajustar as finanças da França aos padrões definidos para a zona do euro. Seu socialismo não é o da gastança. Em segundo lugar, sua recomendação é perfeitamente compatível com o modelo de análise adotado no FMI. A novidade está no cenário internacional, caracterizado pela forte desaceleração nos Estados Unidos - já se fala em recessão -, pelo baixo dinamismo das economias européias e pelo risco de contágio dos emergentes.A novidade inclui, e este é um dado muito especial, fundamentos mais sólidos tanto em países mais avançados quanto em muitas economias em desenvolvimento. Há, segundo argumenta Strauss-Kahn, espaço para medidas de estímulo econômico em vários países. Políticas monetárias prudentes e bem conduzidas têm servido para fundamentar as expectativas inflacionárias. Há pressões novas nos mercados internacionais, mas a maioria das projeções continua indicando uma inflação tolerável e controlável na maior parte do mundo. O risco maior é mesmo o de uma desaceleração, de acordo com Strauss-Kahn. Nas projeções de outubro, os técnicos do FMI já apontavam uma redução sensível do crescimento em todos os grupos de países. As novas projeções, publicadas na semana passada, mostraram uma tendência mais acentuada de esfriamento da atividade. Pelas últimas estimativas, a economia mundial cresceu 4,9% em 2007 e crescerá 4,1% em 2008. Nas economias avançadas o recuo deve ser de 2,6% para 1,8%. No mundo emergente e em desenvolvimento a redução projetada é de 7,8% para 6,9%. Na América Latina e no Caribe, de 5,4% para 4,3%. Não são projeções desastrosas, mas, na opinião de Strauss-Kahn, justificam medidas de reativação. O Federal Reserve, o banco central americano, já afrouxou sua política baixando os juros básicos, em pouco mais de uma semana, de 4,25% para 3%. O Banco Central Europeu e o da Inglaterra, embora reconhecendo o risco de esfriamento econômico, preferiram manter suas taxas, mostrando maior preocupação com os preços. Mas o afrouxamento da política monetária, embora desejável, não é, de acordo com Strauss-Kahn, remédio suficiente, porque os bancos, afetados pela crise, tentam agora reforçar suas contas. A melhor solução, sustenta o diretor-gerente do FMI, é mesmo um estímulo fiscal temporário para favorecer o consumo e reanimar as empresas. Esse estímulo, insiste Strauss-Kahn, tem de ser temporário e só os governos com margem de manobra fiscal e monetária devem adotar essa política. Se Europa e Japão seguirem esse caminho, melhor para a economia global e o Brasil estará, naturalmente, entre os beneficiários. Mas a recomendação de maiores gastos não vale, certamente, para o governo brasileiro. Não há sinal, por enquanto, de arrefecimento do consumo, e a política orçamentária adotada em Brasília já tem sido caracterizada pela rápida expansão das despesas. No caso do Brasil, deve valer o contrário: governo mais austero, para dar mais espaço ao crescimento da produção e do emprego.

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