domingo, 3 de fevereiro de 2008

Regras dificultam fiscalização de despesas dos ministros

Por Ana Paula Scinocca, Expedito Filho e Sônia Filgueiras
no Estado de São Paulo

A farra dos cartões, que sacudiu a Esplanada dos Ministérios e provocou, na sexta-feira, a demissão da ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, pôs em evidência a dificuldade de identificar os gastos efetuados pelos auxiliares graduados do Executivo. As regras para a execução de despesas em missões oficiais dos ministros tornam muito difícil estabelecer a ligação entre o funcionário que assumiu o gasto e quem de fato o realizou. E mesmo o pacote baixado na quinta-feira para restringir o uso dos 13 mil cartões corporativos do Executivo não fecha as brechas para essa “terceirização dos gastos”. Levantamento do Estado em 27 dos 37 ministérios mostra que pelo menos 10 ministros adotam um sistema de prestação de contas pouco transparente: declaram contas de suas despesas usando os nomes de assessores especiais e outros subordinados. Nos outros 17 ministérios, há desde transparência efetiva a balbúrdia administrativa: um ministro, Geddel Vieira Lima (Integração Nacional), decidiu ter uma regra particular e há os que não contam com orçamento próprio e têm os gastos inseridos em rubricas de outros órgãos.A confusão contábil é tão grande que somente após sete anos da implantação do chamado “dinheiro de plástico” foram percebidas as irregularidades. Elas se tornaram públicas a partir das prestações de contas, recheadas de dúvidas, apresentadas pelos ministros Orlando Silva (Esporte), Altemir Gregolin (Pesca), e Matilde Ribeiro, obrigada a deixar o governo.Pelos dados constantes no Portal da Transparência (www.portaltransparencia.gov.br/), site oficial administrado pela Controladoria-Geral da União (CGU), os mecanismos de controle social são uma peneira e não permitem fiscalização efetiva dos gastos dos ministros em viagem pelo Brasil. Hélio Costa, das Comunicações, Sérgio Rezende, de Ciência e Tecnologia, e Tarso Genro, da Justiça, tiveram despesas com cartões feitas em nome de assessores, como mostrou levantamento do Estado na semana passada.Imaginava-se que a prática, marcada pela falta de transparência, não se estendesse a dois setores fundamentais na fiscalização dos cartões: a CGU e o Ministério do Planejamento. Mas mesmo o ministro Jorge Hage, chefe da CGU, fez gastos com cartão, pelo menos uma vez, em nome de assessor. Assim como o “regulamentador” dos cartões corporativos, ministro Paulo Bernardo.Na controladoria, Hage admitiu que utilizou, em março do ano passado, o cartão corporativo de seu chefe de gabinete, George Miguel Restle Maraschim. O gasto de R$ 350 foi feito no dia 5 daquele mês para pagar o aluguel de um veículo. Hage pagou com dinheiro do próprio bolso, mas foi ressarcido com saque do cartão corporativo de seu subordinado. A favor do fiscalizador está o fato de ele ter um único registro em nome de terceiros.Responsável pela regulamentação do uso dos cartões, Bernardo também recorreu ao cartão em nome de uma assessora para financiar suas missões oficiais. Ele viajou 37 vezes e gastou R$ 4.914 com hospedagem e alimentação, despesa integralmente registrada em nome de um auxiliar.O titular da Educação, Fernando Haddad, realizou 51 viagens para 26 Estados , a maior parte por causa da Caravana da Educação, segundo sua assessoria. O ministério informou que em 2007 foram gastos R$ 53.866,52 em serviços de apoio durante as viagens. “O setor administrativo do gabinete do ministro pede um suprimento de fundos e um assessor efetua os pagamentos e traz as notas para a prestação de contas”, explicou a assessoria de imprensa.No Ministério da Educação, até a assessoria de comunicação social possui um cartão corporativo para despesas de pequena monta. “Em 2007 o total de gastos realizados através do cartão corporativo foi de R$ 2.659,58”, informou a pasta. O servidor era o ex-titular da assessoria Leandro Marshall e as prestações de contas estão registradas em nome do funcionário.
AJUDANTES
A assessoria do ministro da Defesa, Nelson Jobim, confirmou que ele teve despesas de viagem registradas em nome de três ajudantes de ordem: um capitão e dois majores. Procurada na sexta-feira, a assessoria de Jobim informou que não tinha tempo hábil para detalhar os gastos do ministro antes do fechamento da edição. No caso de Jobim, não há uso de cartão corporativo. Ele usa o sistema de suprimento de fundos, também conhecido como conta “tipo B”, aquele que o governo quer extinguir sob o argumento de que é pouco transparente e de difícil controle.Na Cultura, o ministro Gilberto Gil usa o mesmo método. As despesas são pagas com suprimentos de fundos, movimentadas por cheques e guias de depósito, e registradas em nome do funcionário titular da área. Em 2007, Gil gastou R$ 43.971 com hospedagem, transporte e alimentação em 81 viagens pelo País.A ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Nilcéa Freire, usou um modelo híbrido. Adotou suprimento de fundos via contas “tipo B” (em nome de um funcionário que emite cheques e recebe os depósitos) e por meio de cartão corporativo em nome de assessor especial. Em 2007, Nilcéa viajou 51 vezes e gastou R$ 2.478.No cartão corporativo de seu auxiliar, foram faturadas despesas no valor de R$ 1.798. Além disso, outros R$ 680 foram sacados para cobrir despesas, segundo informação da própria assessoria da ministra.O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, viajou 12 vezes desde que tomou posse em 29 de março de 2007. Desde então, gastou R$ 5.205,29 nos deslocamentos por meio da rubrica “suprimento de fundos”. Os gastos, segundo sua assessoria, foram feitos para pagar despesas com refeição e hospedagem nas missões oficiais. As prestações de contas foram registradas, informa a assessoria, em nome de “servidor público designado pelo ordenador de despesas para tal atribuição”.

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