quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Por trás da crise, a especulação

Por Osmar Freitas Jr
no Jornal do Brasil

Addie Polk, da cidade de Akron, no Estado de Ohio, foi encontrada dentro de casa, com um ferimento a bala no peito e um revólver calibre 32 perto da mão. Deixara um bilhete explicando que decidira pelo suicídio ao receber a ação de despejo que seria executada naquele dia. O vizinho que a encontrou, agiu rápido e a vítima foi levada ao hospital, onde o prognóstico é de recuperação. Addie tem 90 anos e vive naquele imóvel desde 1970. Viúva, em 2001 ela hipotecou a residência por US$ 45.620. Não estava conseguindo pagar as prestações. Este é um exemplo dramático do que está ocorrendo nas cidades americanas. A crise das subprimes leva ao desespero Wall Street, Main Street (a rua principal) e todos os outros endereços do catálogo.
A história de Addie até que não teve final tão infeliz. O Congresso americano fez pressão sobre a instituição financeira Fannie Mae – que agora está sob controle estatal – para que perdoasse a dívida desta inadimplente. A nonagenária tem condições agora de morrer em casa.
– Morrerá de fome, provavelmente – dispara o analista econômico Gregory Bauabe, da financeira Prism. – O pacote aprovado pelo Congresso não foi eficaz. Sua meta prioritária era restaurar confiança no mercado e desentupir as linhas de crédito na praça. Como se vê, isso não ocorreu, o que estrangulou as atividades de produtores e comerciantes que dependem de empréstimos de curto prazo. Os consumidores, mostrando índices de confiança que são os mais baixos desde a crise de 1987, ainda têm a muleta dos cartões de crédito. Mas até quando contarão com este suporte?
Os portadores de cartões americanos já estão recebendo pelo correio avisos de rebaixamento em seus limites de crédito. As taxas de juros neste setor também estão se elevando. A dívida total das famílias americanas chega a US$ 1,5 trilhão – incluindo-se nesta conta as prestações de imóveis, automóveis, crediários de lojas, agências de viagem etc. O que não está embutido na soma é a dívida do governo – que recai sobre os ombros dos contribuintes – e que, dividida, alcança mais de US$ 84 mil para cada homem, mulher e criança nos Estados Unidos. O impacto desta realidade, acredita-se, trará o declínio ainda mais acentuado do consumo, que é responsável do 2/3 da economia do país.
– Confesso que estou muito bravo com o desenrolar dos acontecimentos, principalmente com o Tesouro americano. Criou-se uma tal expectativa – de, pelo menos, melhora da crise – com o pacote, e o que vemos é o contrário. O que prova que estas autoridades não sabiam o que estavam fazendo. Acho que o próximo presidente, seja quem for, vai ter de trabalhar ativamente no processo de transição e, antes da pose em janeiro, já ter implementado um segundo plano. O governo Bush e o seu sucessor vão ter de cooperar neste sentido – prevê o professor de Economia da Universidade de Princeton, Paul Krugman.

Mercados

Enquanto isso, ontem, a Bolsa americana registrava queda de 508.39 pontos nas ações blue chip. Empresas sólidas e com capital nos cofres, tiveram seus papéis desvalorizados além da lógica. A Google, por exemplo, teve queda de 50% no valor de suas ações, comparado com novembro de 2007. Isso, a despeito de o chairman do Fed (o banco central americano), Ben Bernanke, ter anunciado que estava preparado para cortar ainda mais as taxas de juros. A Dow Jones havia caido 140 pontos antes desta novidade, para despencar 300 pontos depois dela.
– Estão se usando todas as ferramentas que deveriam elevar a confiança do mercado de equity. Mas não está adiantando. Instaurou-se o ‘pessimismo exuberante’ – para usar o reverso de uma frase de Alan Greespan, ex-chairman do Fed. E neste aparente irracionalismo atual, tem muita gente lucrando. Warren Buffett é apenas o investidor mais reconhecido, que comprou ações de empresas boas, na baixa, e lucrará muito com isso. Existem muitos outros, anônimos, que estão forçando e aproveitando esta liquidação. Não apenas em Wall Street, como no resto do mundo – diz Peter Fisher, ex-subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos.
Na cacofonia das análises, Edgar Palmério, analista de mercado do fundo Rushmore, com interesses no Brasil, concorda com Fisher sobre a exuberância pessimista do mercado.
– Na verdade não há somente irracionalidade no momento. Existem muitos que estão aproveitando a onda, encontrando oportunidades na crise. O caso brasileiro é exemplar, o governo fornece crédito para exportadores, para a agricultura, o Banco Central foi autorizado a comprar a carteira de bancos, o governo ofereceu US$ 2,2 bilhões em contratos de swap cambial – que funciona como operação de venda de dólar no mercado futuro. E, apesar disso tudo, o dólar foi a US$ 2,3 e a Bovespa caiu 4,66%. Isso, para mim, é manobra de especuladores. Lá, como cá, e no resto do mundo, tem gente comprando ações de empresas boas, na bacia das almas. No Brasil estão também ganhando em apostas contra o real – diz Palmério.

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