sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Os sindicalistas vira casacas

Precisamos reabrir o baú. Precisamos sim abrir os arquivos não somente sobre o período ditatorial, como dos jornais e das revistas. Veremos muitas coisas feitas ou ditas ontem que nos deixariam vermelhos hoje. Claro que os vagabundos não ficariam com vergonha, afinal, sem vergonha não adquire vergonha de uma hora para outra. Vejam esta matéria publicada no Estado de São Paulo do dia 11 de julho de 1999:

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) está apoiando o PFL. Isso parece estranho? Pois tem coisa mais estranha ainda no atual cenário político: a Força Sindical, que sempre teve fama de governista, está apoiando o PT. E quem puder - e quiser - que entenda o que está acontecendo. A CUT aliou-se ao senador Antonio Carlos Magalhães, do PFL, no caso da polêmica instalação da fábrica da Ford na Bahia, com pesados subsídios públicos. Mas teve troco: a Força Sindical decidiu elogiar um governador do PT que tem fama de radical: o do Rio Grande do Sul. "O Olívio Dutra está certo", afirmou ao Estado o presidente nacional da entidade, Paulo Pereira da Silva, lembrando que o governador petista acertadamente suspendeu os incentivos para a montadora e, com isso, perdeu a fábrica, projetada inicialmente para a cidade de Guaíba. Para Paulinho, a atitude foi digna de aplausos: um golpe certeiro de Dutra na guerra fiscal que assola o País. Segundo Paulinho, as montadoras trazem para o Brasil não a tecnologia de ponta, mas a sucata industrial, que funciona quase do mesmo modo desde o início do século. "Para cá, as montadoras trazem a montagem, a parte de apertar parafuso, o que há de mais atrasado", disse. "Além disso, governo não precisa financiar indústria rica, que se instalaria de qualquer forma no Brasil, porque precisa do nosso mercado consumidor." Salada - Posições assim inesperadas sugerem que alguma coisa parece estar fora da ordem na política sindical. Mas é necessário lembrar que isso não começou na conturbada semana que passou. Uma olhada no noticiário político e econômico do pós-Real mostra que os tempos globais estão trazendo muitas novidades. No ano passado, por exemplo, os principais dirigentes da CUT ajudaram a eleger o governador Mário Covas, do mesmo PSDB de Fernando Henrique Cardoso, no segundo turno da eleição paulista do ano passado. Ninguém na central - que teoricamente faz oposição aos tucanos - pareceu incomodar-se. Os representantes da Associação dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp), que criticam a política educacional do governador, calaram-se diante do apoio pessoal a Covas dado pelo próprio presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva. Mais estranho ainda é recordar que também não houve rumores entre os dirigentes do sindicato cutista de funcionários das estatais paulistas (da Sabesp e da Cetesb, por exemplo), ameaçados pelo fantasma das privatizações defendidas por Covas. Ao apoiar o atual governador - e Vicentinho não foi o único - a CUT, indiretamente, pediu votos para o programa de privatizações, que era conhecido de todos. Na teoria, contudo, a central continua contra a venda de estatais. O movimento sindical parece encarar muito tranqüilamente essas guinadas de 180 graus nas suas posições históricas. Por isso, é possível interpretar essa salada política dos últimos anos como reflexo de um processo natural de mudança ideológica nas centrais. Troca de bases - Assim, não é de se estranhar que Paulinho, antes avesso ao funcionalismo público, esteja capitaneando a luta pela preservação da Justiça do Trabalho - e levando consigo as bases dos sindicatos de servidores do poder Judiciário, que pertencem à CUT, dividida em relação ao assunto. Se há troca de bandeiras, por que não troca de bases? "Como nós defendemos primeiro a Justiça do Trabalho, essa aproximação foi natural", diz o presidente da Força Sindical. Também fica mais fácil entender o orgulho com que o mesmo Paulinho, antes ferrenho antipetista, declara que foi buscar no programa da candidata derrotada Marta Suplicy (PT-SP) o seu projeto de frentes de trabalho, que acabou encampado pelo prefeito Celso Pitta (sem partido) e está sendo vendido ao ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, do PPB de Paulo Maluf. "Projeto bom a gente apóia", afirmou. "Não tenho nenhum preconceito." Para o futuro, o sindicalista imagina relações cada vez mais estreitas com a CUT, por conta da atuação conjunta das centrais nas comissões tripartites criadas pelo governo, como a do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que libera recursos para que as centrais qualifiquem os trabalhadores. Quanto às inversões de papéis, ele considera normais e conjunturais. "Quem sabe um dia possamos criar uma única central sindical no Brasil, como as que existem no resto do mundo", diz. Diante de quem se espanta ante essa afirmação, ele coloca uma questão simples: "Por que não?"

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