sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A campanha pela CPMF

Editorial do Estado de São Paulo

Com as bênçãos do governo, mas sem a sua participação oficial, avançou rapidamente a mobilização política a favor da ressurreição do imposto do cheque, também conhecido como CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). Em sua versão renovada, o tributo, segundo os seus defensores, será destinado integralmente à saúde – como deveria ter sido, na versão original, há mais de dez anos. O primeiro lance – como comentamos em editorial na ocasião – ocorreu há quase duas semanas, quando parlamentares da base aliada anunciaram a disposição de propor a criação de um tributo semelhante àquele extinto em dezembro. O anúncio foi feito, por notável coincidência, depois de uma reunião com os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. No segundo movimento, uma semana depois, envolveu-se na história a “bancada da saúde”, formalmente distinta da base aliada mas comprometida, nesse caso, com o mesmo objetivo. Agora, no terceiro lance, entraram em cena os secretários de Saúde dos Estados e municípios, prontos para apoiar a reedição do imposto em troca de uma boa fatia do dinheiro arrecadado pela União. O governo, repetiu na quinta-feira o ministro José Múcio Monteiro, não tomará a iniciativa de incluir no projeto de reforma tributária a criação de um clone da CPMF. Mas os congressistas poderão cuidar do assunto, admitiu, e o Executivo não terá de se envolver. Até aí, nenhuma novidade. Esse já havia sido o discurso dos ministros do Planejamento e de Relações Institucionais, quando o assunto surgiu no encontro com os líderes da base aliada. Com essa atitude, o governo pretende disfarçar a nova quebra da palavra empenhada. Como os parlamentares e secretários estaduais e municipais nada prometeram nesse sentido, estão livres para trabalhar pela reedição do imposto. Mas não só a mobilização tem aumentado. As pretensões também têm crescido. Na primeira manifestação, políticos da base parlamentar haviam falado num tributo com alíquota de 0,20%. Na conversa dos secretários, já se fala numa arrecadação semelhante à mencionada pelo Executivo nas negociações com os senadores – algo em torno de R$ 30 bilhões, correspondentes a uma alíquota de 0,30%. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, mostrou-se menos contido que seu colega José Múcio Monteiro. “Sou a favor de todas as iniciativas que garantam ao setor da saúde uma estrutura de financiamento sustentável”, disse ele. Alega o ministro que, hoje, o governo não dispõe de recursos suficientes para o cumprimento das obrigações constitucionais nessa área. “O ônus da solução é do Congresso, que criou o problema”, acrescentou. O discurso do ministro resume os equívocos de quem defende, hoje, a recriação da CPMF. Para começar, não tem sentido o palavrório a respeito da “estrutura de financiamento sustentável” da saúde. Se o setor é prioritário, cabe ao Executivo e ao Legislativo, na elaboração orçamentária, dar-lhe preferência na divisão das verbas disponíveis. Isso vale para educação, transportes, segurança ou qualquer outra área de atuação do poder público.Tomar decisões desse tipo é uma das funções mais importantes do Congresso. E essas decisões tendem a ser mais eficientes quando o orçamento é menos engessado e o manejo do dinheiro público é mais flexível e racional. Vinculação de verbas cria apenas uma segurança: a de que haverá dinheiro disponível para rubricas determinadas, seja qual for a qualidade dos programas e da gestão pública.Ninguém pode falar em carga tributária insuficiente, no Brasil. Se há deficiência, é de capacidade administrativa e de seriedade política. Mesmo sem a CPMF, a tributação brasileira continua a ser uma das mais altas do mundo. Se o governo aprender a gastar corretamente, não faltará dinheiro para as funções mais importantes.A campanha a favor de um imposto vinculado à saúde é uma confissão de falência da administração pública e da seriedade dos políticos brasileiros. O caminho correto é o oposto: é preciso eliminar as vinculações, elevar os padrões administrativos e tornar mais flexível o orçamento brasileiro. Quanto a um imposto nos moldes da CPMF, é apenas uma aberração, apontada como tal por especialistas em finanças públicas de todo o mundo. Em país civilizado uma aberração desse tipo não tem futuro.

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