sábado, 13 de outubro de 2007

A força da opinião pública

Editorial do Estado de São Paulo de hoje

Além de quaisquer considerações que se façam sobre o esperado (e como!) afastamento do senador Renan Calheiros da presidência da Câmara Alta - independentemente de ser essa tão tardia decisão o disfarce de uma renúncia já resolvida ou o propósito (que a esta altura seria alucinado, convenhamos) de retomar daqui a 45 dias a condução da Casa -, há dois pontos indiscutíveis que devem ser retidos em toda essa tempestuosa questão, que por quatro meses e meio superlotou, sem ainda ter acabado, o espaço político nacional. O primeiro ponto é o indiscutível efeito da força da opinião pública, a refletir o conjunto de valores e sentimentos éticos que ainda sobrevivem na sociedade brasileira e são capazes de influenciar mesmo os mais empedernidos representantes do povo no Parlamento, que lá estejam para defender seus próprios interesses - políticos ou de outras ordens. Se comparássemos duas cenas transcorridas no mesmo cenário do Senado, mais nítido ficaria esse citado efeito. Veríamos, na primeira cena, o episódio em que Renan Calheiros utilizou despudoradamente a cadeira da presidência da Casa para se defender - sem que nenhum de seus pares o repreendesse pelo abuso -, descrevendo fatos de sua vida pessoal e familiar que um cavalheiro não levaria ao conhecimento público. Depois, encerrou a sessão, a pedido do líder do governo, para que recebesse cumprimentos, ensejando aquela grotesca fila de beija-mão da qual raros senadores da República escaparam. Na segunda cena, ocorrida na última terça-feira, veríamos Renan Calheiros na mesma cadeira de presidente do Senado, desta vez, porém, acuado, completamente isolado, sem uma única voz que o defendesse, enquanto uma dezena de senadores - oposicionistas e governistas - desfilavam discursos com um tema único: o pedido veemente para que Renan se afastasse do cargo. O segundo ponto a reter é o grau de desgaste, de desmoralização, que o affair Renan Calheiros produziu, atingindo o Senado, em particular, e a classe política, em geral. A maior dúvida é quanto há de demorar para se chegar - se é que se vai chegar - a uma recuperação de imagem do Legislativo. Independentemente da gravidade de todas as denúncias que pesam contra Renan Calheiros nos quatro processos - que estão para virar cinco - que tramitam no Conselho de Ética, o fato é que o senador alagoano não deixou que o desgaste recaísse apenas sobre sua pessoa. Ao contrário, comprometeu, e muito, com seu apego ao cargo, a imagem dos 46 colegas que o absolveram, em plenário, no primeiro processo, ou votando contra o relatório do Conselho de Ética que o condenava ou se abstendo. E comprometeu, também, aqueles sobre os quais fez insinuações maldosas - acrescentando a chantagem à falta de decoro. É verdade que grande parte da obstinada resistência demonstrada por Renan Calheiros para permanecer na presidência do Senado decorreu do apoio que obtinha do governo, especialmente tendo em vista a expectativa do Palácio do Planalto de que sua presença facilitaria a aprovação do projeto de prorrogação da CPMF. O governo, pelas mãos do PT, conseguiu aquelas salvadoras seis abstenções que livraram Renan da cassação, no primeiro processo. Mas ali fora celebrado um acordo - de afastamento temporário da presidência do Senado - que Renan, sentindo-se fortalecido pela votação do plenário, não cumpriu. Depois vieram as proverbiais gotas d’água que fizeram o copo transbordar. Uma foi a descoberta do esquema de espionagem contra dois senadores, de que é acusado um assessor do presidente do Senado. A outra foi o afastamento de Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon - duas das mais respeitáveis e prestigiadas figuras do Parlamento e, não por acaso, os peemedebistas que mais insistiam no afastamento de Renan - da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A partir daí a pressão contra Renan Calheiros tornou-se insuportável. Também para o Planalto ele se tornara descartável, por ter se tornado um obstáculo à aprovação da CPMF. O senador alagoano gastou pouco mais de dois minutos para anunciar o que se esperava dele há quatro meses e meio. Curioso é que, depois de ter passado 134 dias usando, de maneira escandalosa, o cargo de presidente do Senado para se defender, se licenciou afirmando que “não precisa do cargo para se defender”. Fez do exercício da presidência do Senado um deboche, até o fim.

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