quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Caso de espionagem aumenta crise e senadores pedem saída de Renan

Ana Paula Scinocca e Expedito Filho, BRASÍLIA
Isolado, sem apoio nem mesmo de sua tropa de choque, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), enfrentou ontem a mais tensa sessão desde o início da crise que põe seu mandato em xeque. Confrontado por discursos de senadores que pediram seu afastamento imediato da presidência da Casa, Renan não só reiterou que ficará no posto como frustrou os que esperavam o anúncio da exoneração de seu assessor Francisco Escórcio, acusado de armar um esquema para bisbilhotar os senadores Demóstenes Torres (DEM-GO) e Marconi Perillo (PSDB-GO). Ficou só na retórica, também, ao se defender da acusação de ter investigado as prestações de contas da verba indenizatória de todos os senadores da Casa, conforme o Estado revelou ontem.
Leia a íntegra dos discursos Escudado na acusação de que tudo não passou de uma campanha mentirosa da mídia, Renan acabou criando no plenário um clima típico de comissão parlamentar de inquérito (CPI). Na cadeira de presidente, ouviu apelos crescentes, de senadores do PDT, PSDB, PMDB, DEM e até do PT, para que se licenciasse do cargo. Por fim, constrangido por uma atitude de Demóstenes, teve de ouvir uma fita em que um dos envolvidos na denúncia, o advogado Heli Dourado, dizia a um repórter do jornal Folha de S.Paulo ter conversado com Escórcio sobre a tentativa de espionagem.Depois de ter sido submetido aos cinco minutos da gravação embaraçosa, Renan, em tom de irritação, cassou o direito de voz de Demóstenes, acusando-o de estar transformando o Senado em ambiente policial. “Seu tempo está esgotado. A Mesa não vai debater com vossa excelência. O senhor transformou o Senado em delegacia de polícia. Não lhe concedo mais a palavra”, afirmou.Demóstenes ainda pediu isonomia com o tempo usado pelo próprio presidente do Senado. Momentos antes, Renan havia ocupado a tribuna por mais de 20 minutos para se defender. Irredutível, voltou usar o poder de presidir a sessão para calar o parlamentar do DEM. Diante da rigidez do presidente do Senado, Demóstenes protestou: “Quem transformou essa Casa em delegacia de polícia foi vossa excelência, que, aliás, agora ainda está sendo grosso.”BRECHAO bate-boca ocorrido entre os dois, nos moldes de uma acareação de CPI, não foi o único da sessão de ontem, marcada por muitas cobranças abertas. Era tudo o que Renan não desejava, afinal, havia sido aconselhado por sua assessoria a não conceder apartes aos colegas. Pelo script inicial, traçado durante a manhã em sua residência, o presidente do Senado deveria se limitar a dar seu recado, negar as irregularidades e sair de cena.Ao abrir uma exceção para que Perillo falasse, no entanto, Renan deu a senha para seus mais ferrenhos críticos. Ainda assim, se esforçou para tentar demonstrar tranqüilidade e domínio da situação. Chegou ao ponto de dizer que estava se sentindo “absolutamente confortável” no comando da sessão. A atitude acabou irritando ainda mais os 54 parlamentares que registraram presença. Alguns riram.Oito senadores se revezavam, então, ao microfone para pedir a saída de Renan do comando do Congresso. “Não é mais direito de vossa excelência permanecer na presidência da Casa. Apelo em nome de uma instituição desgastada, afrontada e vilipendiada”, afirmou o senador tucano Álvaro Dias (PR).Na mesma linha, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), lamentou a avalanche de denúncias contra Renan. “Eu me indisponho de vossa excelência ficar na presidência”, declarou. E prosseguiu, dizendo que bisbilhotar colegas era “o pior dos remédios” para se defender.O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) deu um recado duro, completando a mensagem dos colegas. “O problema, senador Renan, não é só a verdade. É a credibilidade. E, neste momento, a credibilidade se esvaiu”, afirmou.O presidente do Senado demonstrou forte irritação quando Aloizio Mercadante (PT-SP)relatou uma conversa em que lhe teria recomendado o afastamento da presidência do Senado. O petista foi um dos que atuaram para que ele acabasse absolvido no julgamento em plenário. Mercadante teria apelado para que Renan entregasse o posto após a votação secreta do dia 12 de setembro.Em seguida, Renan retirou-se da tribuna, pediu ao presidente em exercício, senador Papaléo Paes (PSDB-AP), que cassasse a palavra do petista. Diante do titubeio do tucano, ele próprio apertou o botão para cortar o som do microfone de Mercadante. Seus assessores não esconderam o constrangimento diante do comportamento do chefe.EXONERAÇÃOAlém de presenciar os apelos por sua saída do comando do Senado, Renan ouviu críticas à decisão, considerada “insuficiente” pelos senadores, de apenas afastar o assessor Francisco Escórcio até que seja feita uma investigação sobre a suposta participação do auxiliar na bisbilhotagem de senadores goianos.Até a líder do PT, Ideli Salvatti (SC), cobrou a exoneração imediata de Escórcio. “Ele não pode ter mais sua confiança. É caso de demissão.”Renan ficou contrariado quando ouviu Demóstenes apontar contradição em seu comportamento. “O senhor fala em afastamento do funcionário até que sejam concluídas as investigações. Mas, no seu próprio caso, o senhor não se afasta”, bradou. Sem graça, o presidente do Senado apenas respondeu que não queria “prejulgar” o funcionário e sua atitude era “a possível”.Sem a presença de aliados como José Sarney (PMDB-AP), Roseana Sarney (PMDB-MA), Wellington Salgado (PMDB-MG) ou mesmo Almeida Lima (PMDB-TO), Renan viu-se embaraçado e sozinho. Resolveu, então, deixar a sessão. Foi conferir uma exposição de artistas brasileiros em cartaz no Senado.
Estado de São Paulo - 10.10.2007

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