domingo, 7 de setembro de 2008

Ex-agentes tomam conta da "arapongagem" brasileira

Por Vasconcelo Quadros
no Jornal do Brasil

Ao fazer a analogia dos casos de espionagem que abalaram Brasília nos últimos três anos, a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) passaram a prestar atenção num segmento que estava fora do foco das investigações sobre o grampo no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes: ex-servidores da área de inteligência dos dois órgãos que, afastados, voltaram-se para a área privada de segurança e hoje formam uma autêntica rede de mercenários que vende serviços de espionagem a políticos e empresários. O caso que mais vem chamando a atenção dos analistas é o escândalo dos Correios ­ aquele em que o ex-diretor de compras da estatal Maurício Marinho aparece na telinha da televisão, em junho de 2005, embolsando uma propina de R$ 3 mil. A denúncia publicada à época pela revista Veja, como se sabe, desembocou no mensalão e por pouco não terminou num pedido de impeachment do presidente Lula. Por tabela, acabou jogando os holofotes nos personagens centrais de uma importante rede empresarial que se utilizava da espionagem para disputar licitações públicas usando como trunfo gravações clandestinas.
Quem mandou
O mandante da gravação foi o empresário Arthur Washeck, fornecedor e atravessador de produtos a vários órgãos do governo federal, que contratara o esquema de espionagem operado pelo ex-agente da Abin, Jairo Martins de Souza, ex-cabo do serviço secreto da Polícia Militar do Distrito Federal, jornalista e figura carimbadíssima no submundo da arapongagem. O ex-agente já havia participado de outros esquemas de espionagem clandestina, entre eles, o que resultou na cassação do ex-deputado André Luiz (PMDB-RJ), flagrado acertando uma propina do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Para armar o esquema contra os Correios, Jairo contratou o advogado Joel dos Santos Filho, que ofereceu a propina aceita por Marinho e, com uma maleta equipada para captar imagem e áudio, depois de duas tentativas frustradas, gravou a cena. Uma cópia da gravação foi entregue pelo próprio Jairo ao repórter Policarpo Júnior, um dos jornalistas que assina a matéria publicada na semana passada por Veja sobre o conteúdo da conversa entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Descoberto pela Polícia Federal, os arapongas foram presos e depois prestaram depoimento à CPI dos Correios. Como Washeck assumiu a responsabilidade pela contratação dos "serviços", Jairo fez um discurso de paladino de uma cruzada contra a corrupção e depois submergiu novamente. Embora as investigações não tenham sido aprofundadas, parte dos parlamentares que integravam a CPI dos Correios achava que o empresário Washeck ­ que flertava com uma ala militar ligada à extrema direita ­ poderia ter servido de "laranja" dentro de um esquema de conspiração que, além de escancarar o esquema de corrupção no governo, tinha finalidade de impor desgaste ao presidente Lula. A versão que prevaleceu foi a de que tratou-se apenas de uma vingança motivada por interesses empresariais feridos, que produziu um grande estrago político: o PTB do ex-deputado Roberto Jefferson perdeu seu espaço nos Correios, mas escancarou o esquema operado pelo publicitário Marcos Valério a serviço do PT, levando de roldão o ex-ministro José Dirceu e outras estrelas do partido. Esta semana, agentes que investigam a origem do grampo em Mendes e Demóstenes Torres descobriram pegadas de Jairo em Brasília. Não há indícios de que tenha se envolvido diretamente na escuta a Gilmar Mendes, mas os investigadores sabem que ele tem know-how e operou na mesma matriz que ainda está ativa. A espionagem clandestina que funciona com a fachada de empresas de segurança é um dos principais alvos da investigação que pretende chegar à origem e autoria do grampo. O caso ainda está envolto de mistério. A única garantia que a Polícia Federal dá é que, mais cedo ou mais tarde, chegará ao espião que pôs a mão na massa e aos interessados no processo que terminou no afastamento temporário do delegado Paulo Lacerda do comando da Abin. O inquérito sobre o caso está sendo tocado por dois delegados e uma equipe de agentes e peritos federais com cerca de 20 integrantes. O diretor geral da PF, Luiz Fernando Corrêa diz que a equipe contará com o que for necessário em recursos para chegar a um resultado que retrate fatos concretos.
Atrás de vestígios
Os peritos já recolheram os dados sobre os sistemas telefônicos do Senado e do STF e vão analisar se há vestígios que permitam esclarecer se em que ponta foi montada a escuta. Esta semana os delegados devem concluir os depoimentos de uma longa lista de autoridades supostamente grampeadas pelo mesmo araponga: os ministros Dilma Roussef (Casa Civil), José Múcio (Relações Institucionais), o secretário particular do presidente Lula, Gilberto Carvalho, e os senadores Garibaldi Alves (PMDB-RN, presidente do Congresso), Arthur Virgílio (PSDB-AM), Álvaro Dias (PSDB-PR) e Tião Viana (PT-AC). Não esperam grandes revelações, mas é um caminho obrigatório. A Polícia Federal abriu um leque de hipóteses, mas pretende fazer uma filtragem para se concentrar em pistas palpáveis, que devem ser apontadas pelos peritos. As motivações variam de uma simples armação política de personagens que não imaginavam a repercussão do caso a um plano mais sofisticado, operado por um grupo que pretendia semear pânico no poder para obter resultado jurídico ou político. Embora a competência legal da investigação seja da Polícia Federal, a Abin abriu uma sindicância interna cujos resultados podem ajudar a esclarecer o caso. Há mais de um ano em atrito, os dois órgãos têm em comum a responsabilidade de esclarecer o caso porque ambos aparecem como suspeitos de abrir o suposto "agente desviado" que teria produzido o grampo mais falado do Brasil.

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