segunda-feira, 8 de setembro de 2008

EUA criam ajuda de US$ 200 bi a imobiliárias

Por Fernando Rodrigues
na Folha de São Paulo

O governo dos Estados Unidos anunciou ontem um pacote de salvamento de até US$ 200 bilhões para as duas empresas que dominam o setor de crédito imobiliário do país, a Fannie Mae e a Freddie Mac. Esse valor será usado para eventualmente comprar ações preferenciais das gigantes do mercado, que estão desde ontem sob intervenção federal e já funcionando como se fossem duas estatais. Ficarão nessa situação por tempo indeterminado.Depois de concluída, essa operação de resgate deve ser a maior da história dos Estados Unidos. No primeiro semestre, o recorde já tinha sido estabelecido com a participação do Federal Reserve (BC dos EUA) bancando uma operação de venda do banco de investimento Bear Stearns para o JPMorgan. Nessa ocasião, o Fed teve de empenhar US$ 29 bilhões.Ainda não está claro o custo final, para os contribuintes, do salvamento da Fannie Mae e da Freddie Mac. Pelo tamanho das empresas, estima-se que o valor final passará com folga a marca do socorro usado no caso do Bear Stearns.A Fannie Mae e a Freddie Mac são empresas que trabalham no mercado de compra e venda de títulos baseados nos empréstimos imobiliários oferecidos por todo o sistema financeiro dos Estados Unidos. Nos últimos dois anos, esse mercado começou a esfriar, com toda a economia do país.A inadimplência atingiu 9,2% dos empréstimos, segundo a Mortgage Bankers Association. Esse é o maior percentual dos últimos 39 anos, desde que o levantamento começou a ser realizado. Juntas, tiveram prejuízo de US$ 14 bilhões nos últimos 12 meses.
Evitar crise maior
As duas empresas entraram em parafuso por causa da alta concentração dos negócios dentro de suas carteiras, sendo muitos dos papéis de má qualidade. Em 2005, ambas respondiam por 38% do mercado de compra e venda de títulos de empréstimos imobiliários.Conforme o setor foi se desfazendo dos ativos podres, elas foram absorvendo-os -segundo informações iniciais disponíveis, de maneira imprudente.Ontem, o jornal "The New York Times" publicou reportagem afirmando que as empresas maquiaram seus balanços inflando artificialmente o valor das reservas que teriam para cobrir perdas por inadimplência. Essa contabilidade problemática acabou sendo um dos fatores principais para que o governo decidisse intervir de uma vez para evitar uma crise generalizada no mercado.De 2005 para cá, a Fannie Mae e a Freddie Mac aumentaram seu domínio do mercado de 38% para 68%, o que equivale a US$ 5,3 trilhões em garantias a empréstimos ou empréstimos concedidos. Como comparação, o PIB do Brasil foi estimado em 2007 em US$ 1,31 trilhão (as duas empresas equivalem a mais de quatro "brasis").Se ficassem apenas à mercê do mercado, haveria risco real de crise sistêmica, foi o argumento do governo. "Um fracasso de uma das duas poderia causar grande desarranjo nos nossos mercados financeiros e no mundo todo", disse Henry Paulson, secretário do Tesouro dos EUA (equivalente ao ministro da Fazenda no Brasil).A decisão de fazer uma intervenção federal foi tomada nos últimos dias e foi apenas comunicada ao público ontem para evitar turbulência maior nos mercados acionários. O anúncio também foi feito logo cedo nos EUA para que as Bolsas de Valores na Ásia tivessem tempo de digerir todos os detalhes.O comunicado oficial foi feito por Paulson e por James Lockhart, diretor da agência federal que supervisiona empréstimos imobiliários, a FHFA (do nome em inglês "Federal Housing Finance Agency"). Caberá a este a responsabilidade pelas empresas enquanto elas estiverem sob o comando de interventores.Em resumo, o pacote tem os seguintes itens principais:1) intervenção: desde ontem as duas empresas estão sob o controle de dois interventores federais por tempo indeterminado. Herb Allison responderá pela Fannie Mae e David Moffett pela Freddie Mac;2) demissão: foram afastados os executivos Richard Syron e Daniel Mudd, da Freddie Mac e da Fannie Mae, respectivamente. Eles aceitaram colaborar com a transição e devem, em tese, ajudar os interventores na fase inicial do processo de saneamento. Ambos receberão normalmente as indenizações previstas em seus contratos (Syron deve embolsar até US$ 15 milhões; Mudd, cerca de US$ 14 milhões);3) funcionamento: as duas empresas abrem hoje normalmente;4) dividendos: serão suspensos os pagamentos de dividendos para todas as ações preferenciais e ordinárias. Essa medida deve dar uma economia de US$ 2 bilhões por ano para as duas empresas;5) saneamento: para assegurar que as empresas não fiquem sem dinheiro na fase inicial, o Tesouro comprará US$ 1 bilhão de ações preferenciais de cada uma delas, imediatamente;6) novo modelo: o secretário Paulson deseja remodelar o sistema de títulos do setor imobiliário. O objetivo será evitar a concentração que ocorreu nos últimos dois anos. Durante a intervenção, deve ser reduzida à força a hegemonia das empresas, fator apontado como um dos principais para o descontrole do mercado.

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