terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O 'não' ao terceiro mandato

Editorial do Estado de São Paulo

Pesquisas políticas, como dizem os candidatos quando elas lhes são desfavoráveis, “retratam um momento apenas”. Por isso, raramente uma sondagem tem importância para se transformar, ela própria, em um fato político. É o caso, no entanto, do levantamento do Datafolha segundo o qual praticamente 2/3 dos brasileiros são contrários a que os presidentes da República, em geral, tenham o direito de disputar um terceiro mandato consecutivo (65% do total), ou que o presidente Lula o tenha (63%). Apenas 31% aprovariam uma mudança nas regras do jogo na expectativa de tê-lo no Planalto, sem interrupção, até 2014.A manifestação absolutamente cristalina da população - a margem de erro da pesquisa é de 2% - dá razão aos analistas políticos que em declarações à imprensa duvidavam da viabilidade de eventuais armações continuístas, quanto mais não fosse porque a sociedade brasileira, no seu entender, tinha amadurecido o suficiente para rejeitar “golpismos constitucionais” do gênero. Tanto assim que, descontado o solitário resultado de Pernambuco, Estado natal de Lula, onde a sua re-reeleição tem o apoio de 51%, o veto taxativo à hipótese coexiste tranqüilamente com a constância da popularidade do presidente no patamar de 50%, desde agosto do ano passado, conforme a série histórica do mesmo instituto.Mesmo entre os entrevistados que se dizem eleitores do PT, cerca da metade (47%) não quer Lula lá por mais quatro anos em 2010. É de parar para pensar. Se apenas uma minoria dos brasileiros acompanha os vagares da política - o que dispensa comprovação estatística, tamanha a evidência dessa realidade -, isso de modo algum significa que o povo tenha a sensibilidade política embotada. Ela está acesa em relação ao que interessa basicamente para o sistema democrático. Por exemplo, como assinalou o deputado Chico Alencar, líder do PSOL na Câmara, enraizou-se na cultura política nacional a percepção de que “não é bom uma pessoa ficar muito tempo no poder”. Ainda que se trate do Lula do Bolsa-Família e dos aumentos reais do salário mínimo.A pesquisa - daí também a sua relevância objetiva - ensejou uma afirmação do presidente, daquelas de que é impossível retroceder. “Eu acho que é sabedoria do povo brasileiro”, arrematou, em seguida a uma tirada brilhante, embora um nonsense tomado ao pé da letra: se tivesse sido entrevistado, enfatizou, “não seriam 63%, seriam 64%” os desfavoráveis à sua permanência no Planalto além do tempo regulamentar. A cavaleiro da situação, dados os seus reiterados pronunciamentos a respeito, aproveitou para fustigar o antecessor: “Eu sou o primeiro a dizer que é um absurdo você tentar mudar a Constituição - como já foi mudada para ter o segundo mandato - para o terceiro mandato.”A sabedoria do povo brasileiro, cujo veredicto foi conhecido pelos petistas no mesmo dia do primeiro turno da eleição interna, que deve manter no comando partidário o deputado Ricardo Berzoini, desencadeou o mais sonoro coro de não à re-reeleição que já se ouviu entre os companheiros. Os opositores de primeira hora à possibilidade elevaram o tom de suas objeções; os demais, ou encenaram seu repúdio ou culparam a oposição por estar o assunto em pauta. De outra parte, o golpe provavelmente terminal infligido ao continuísmo, coincidindo também com a surpreendente derrota de Hugo Chávez, acelera o motor da sucessão de Lula.“Ninguém está hoje com a cabeça em 2010, só os candidatos”, desdenhou ele do resultado, na mesma sondagem, que não apenas confirma o favoritismo potencial do governador tucano José Serra (37%), mas também a travessia do deserto que aguarda as aspirações petistas - no menos ruim dos cenários, a ex-prefeita Marta Suplicy ficou com 9% das intenções de voto. O eleitor, de fato, está com a cabeça em qualquer lugar menos em 2010. Lula, no entanto, está com a cabeça a mil para encontrar um nome a quem transferir o que puder do seu patrimônio eleitoral. No momento parece empenhado em construir a candidatura Dilma Rousseff. Ele não perde oportunidade de dar à ministra vez e voz em público - mas o desfecho da operação é incerto.

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