sexta-feira, 16 de maio de 2008

Novas gravações comprometem senador de GO

Por Matheus Leitão e Rodrigo Rangel
na revista Época

Semana passada, ÉPOCA trouxe a público uma denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, contra o senador Marconi Perillo (PSDB) e o governador de Goiás, Alcides Rodrigues (PP). Num processo que corre em segredo de justiça no Supremo Tribunal Federal, o procurador denunciou a dupla goiana pelos crimes de formação de quadrilha, peculato, caixa dois, exploração da máquina pública na campanha e uso de notas frias e laranjas para fraudar a prestação de contas na eleição de 2006. Agora, ÉPOCA revela com exclusividade que há mais do que isso na investigação que embasou a peça acusatória. Dentre os documentos enviados ao Ministério Público pela Polícia Federal, há novas gravações telefônicas com potencial de enredar o senador tucano em outros processos. Uma delas, em especial, levou o procurador-geral a pedir abertura de novo inquérito contra Perillo, pelo crime de tráfico de influência. Trata-se de um comprometedor diálogo com a desembargadora Beatriz Figueiredo Franco, do Tribunal de Justiça de Goiás, que nesta sexta-feira (16) assume a presidência do Tribunal Regional Eleitoral do estado e, a partir do posto, vai comandar as eleições goianas deste ano.

Na conversa, Marconi Perillo tenta conduzir uma decisão da desembargadora num processo envolvendo a prefeitura de Itumbiara, município do interior administrado por um aliado seu. A magistrada, escolhida desembargadora pelo próprio Perillo, demonstra presteza. "O interesse é conceder ou negar a liminar?", pergunta Beatriz. Ela se nega a ser tratada com deferência. "Que vossa excelência, o quê", diz. O diálogo foi gravado no final de dezembro de 2006. Marconi havia deixado o governo nove meses antes para se dedicar à campanha ao Senado. A seguir, a conversa:

"DESEMBARGADORA: Alô.
MARCONI: DESEMBARGADORA tudo bem?
MARCONI: Ohh, ta entrando hoje uma rescisória com pedido de liminar, contra a PREFEITURA DE ITUMBIARA.
DESEMBARGADORA: Contra a prefeitura?
MARCONI: É, então ta entrando, e parece que foi distribuído para Vossa Excelência.
DESEMBARGADORA: Que Vossa Excelência o que? O problema é o seguinte, o interesse é conceder ou negar a liminar? Contra né?
MARCONI: Negar. Negar.
DESEMBARGADORA: O problema é que eu tô de férias em janeiro, se foi distribuído hoje, eu vou ligar para o assessor, pois eles estão trabalhando hoje e amanhã.
MARCONI: Já foi distribuído.
DESEMBARGADORA: Pois é, então pegar e negar, porque se não vai pro presidente
MARCONI: A senhora quer anotar o número do processo.
DESEMBARGADORA: Quero.Eu vou ser presidente dessa Câmara, a Segunda Seção Cívil.
MARCONI: Já ta na mão da senhora, já ta distribuído.
DESEMBARGADORA: Pois é, é da Segunda Seção Cível, ou é do Órgão Especial.
MARCONI: Órgão Especial ou Seção Cível? (parece estar perguntando para outra pessoa)
MARCONI: Seção Civil, viu.
DESEMBARGADORA: Ah tá, é melhor, pois é, porque eu que vou ser presidente, mas como eu tô em festa de férias, aí fica sendo o DESEMBARGADOR FELIPE, e aí vai pra ele despachar então.
MARCONI: A senhora tem que resolver hoje.
DESEMBARGADORA: É melhor, é.
MARCONI: A senhora quer anotar o número?"

A proximidade entre a desembargadora e o hoje senador Marconi Perillo vai além do fato dele tê-la nomeado para o cargo. Beatriz Figueiredo é casada com o padrinho de batismo de Perillo, Marcos Laveran, que também foi flagrado nas escutas telefônicas. Antes de passar o telefone para a desembargadora, o padrinho ouviu uma prévia do pedido. Laveran trabalhou como funcionário do gabinete da mulher até a resolução que pôs fim ao nepotismo nas repartições do Judiciário. Na transcrição, o nome dele foi reproduzido pelos agentes federais como Laverã.

"DR. MARCOS LAVERÃ: Tá na mão de quem?
MARCONI: Tá na mão aí.
DR MARCOS LAVERÃ: Oi?
MARCONI: Ta na mão, ta na sua mão aí. Ta nas mãos da desembargadora.
DR MARCOS LAVERÃ: Tá bom.
MARCONI: Você quer anotar o número?
DR MARCOS LAVERÃ: Quero, você quer falar direto com ela ou não?
MARCONI: Ela ta aí perto do Sr?
DR MARCOS LAVERÃ: Tá.
MARCONI: Não eu prefiro... aé, eu falo com ela então. (parece estar meio contrariado)
DR MARCOS LAVERÃ: Não, você que manda.
MARCONI: Não, é porque eu não queria... bom, tudo bem eu falo.
DR MARCOS LAVERÃ: Sabe o que que é?
MARCONI: Ahhh.
DR MARCOS LAVERÃ: Porque hoje não deve ter nada, por que ela vai viajar daqui a pouquinho.
MARCONI: Foi distribuído hoje uma liminar para ela.
DR MARCOS LAVERÃ: Não, então tem que conversar com ela aqui mesmo.
MARCONI: Deixa eu falar com ela então
DR MARCOS LAVERÃ: Por que ela vai viajar daqui a pouco.
MARCONI: Ela vai para onde chefe?
DR MARCOS LAVERÃ: Ela vai pra Aparecida.
MARCONI: Ah então tá bom.

(...) conversa sem interesse para investigação

DR MARCOS LAVERÃ: Eu acho que é melhor conversar com ela agora, porque aí qualquer coisa que precisar ela passa pra mim, eu to aqui junto, aqui."
Itumbiara é um município de 86 mil habitantes localizado no sul de Goiás. A ação rescisória que motivou o pedido de Perillo à desembargadora faz parte de uma intensa guerra judicial travada por mais de 40 municípios goianos, entre eles a capital Goiânia, contra a Prefeitura de Itumbiara. O pano de fundo dessa briga é o rateio da parcela do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, o ICMS, distribuído pelo estado aos municípios. Goiânia e as demais prefeituras, dentre as quais a de Montividiu, queriam reverter uma decisão anterior, do próprio Tribunal de Justiça, que havia aumentado o valor da parcela destinada a Itumbiara.
Desde o começo, a tramitação do processo foi turbulenta. Passou por outros gabinetes do tribunal, cujos titulares acabaram afastados do caso por razões processuais. No fim de dezembro de 2006, a ação foi finalmente redistribuída e caiu nas mãos da desembargadora Beatriz. Foi quando Perillo entrou em cena para pedir o "favor". O pedido foi atendido prontamente. Se passaram menos de 48 horas entre a ligação do senador e o despacho da magistrada. Em 28 de dezembro, antes de entrar de férias, ela negou a liminar. Exatamente como solicitou Marconi Perillo.
Não era uma decisão qualquer. Ao negar a liminar, a desembargadora abriu caminho para que Itumbiara continuasse a receber sua parcela extra no rateio do ICMS. Os valores ultrapassam R$ 30 milhões. Parte foi destinada a escritórios particulares de advocacia que defendiam os interesses da prefeitura.
O caso, a exemplo da denúncia revelada por ÉPOCA semana passada, está sob a mesa do ministro Ricardo Lewandowski, do STF. O grampo telefônico feito no telefone celular de Perillo, com autorização judicial, é parte da Operação Voto da Polícia Federal. O procurador-geral da República também pede que Marconi seja investigado por irregularidades na Agência Goiana de Transportes e Obras Públicas (Agetop). A suspeita surgiu, também, das gravações telefônicas feitas pela PF. A missão dos agentes era investigar denúncias de crimes eleitorais supostamente praticados pelo grupo político de Marconi. O tucano, após dois mandatos consecutivos de governador, era candidato ao Senado. E, para sucedê-lo, apoiava o seu vice, Alcides Rodrigues Filho. A alta popularidade de Marconi serviu não apenas para elegê-lo senador como para alçar o inexpressivo Alcides ao comando do estado. A eleição se deu sob inúmeras denúncias de uso da máquina pública em favor da dupla.
A conduta da desembargadora Beatriz Figueiredo também está sob análise do Ministério Público, que examina a possibilidade de pedir o afastamento imediato da magistrada. Procuradores também pretendem processá-la em Brasília perante o Conselho Nacional de Justiça, órgão criado para fazer o chamado controle externo do Poder Judiciário. Para ela, é uma inusitada inversão de papel. Até a cerimônia em que será empossada presidente do TRE de Goiás, nesta sexta, ela comanda a Corregedoria do tribunal. Lá, ironicamente, sua incumbência era justamente fiscalizar a conduta dos juízes eleitorais goianos.
Marconi Perillo não foi localizado para falar sobre o caso. Seu advogado, Antonio Carlos "Kakay" Almeida Castro, disse que o senador está em viagem à África. Castro afirmou que não há na conversa nada que caracterize tráfico de influência. "O senador não fez nada errado. Trata-se de um pedido legítimo feito por um homem público".
ÉPOCA também procurou a desembargadora Beatriz Figueiredo. Na quarta-feira, uma funcionária do gabinete informou que ela atenderia no dia seguinte. Nesta quinta-feira, porém, a mesma funcionária afirmou que magistrada não poderia atender "nem hoje nem amanhã". Marcos Laveran não foi localizado.
Perillo nomeou Beatriz Figueiredo como desembargadora no ano 2000, em vaga destinada a membros do Ministério Público (ela era procuradora de justiça até então). A relação próxima entre os dois, porém, não foi a única a chamar atenção dos agentes federais no curso da apuração.
A explicação para o empenho de Perillo em defesa dos interesses do município de Itumbiara está no tabuleiro da política goiana. Na mesma semana em que telefonou para a desembargadora, Perillo estava terminando de negociar uma aliança com o prefeito da cidade, José Gomes da Rocha. À época, Gomes era filiado ao PMDB, partido de alguns dos maiores rivais do senador tucano em Goiás. Perillo estava empenhado em levá-lo para um dos partidos que compunham seu arco de alianças. Em troca, conforme registraram os jornais locais à época, chegou a prometer ao prefeito a vaga de vice caso venha a concorrer novamente ao governo goiano em 2010. Agora, isso depende dele sobreviver politicamente a mais essa investigação.

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