quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Cargos em troca de cortes

Editorial do Estado de São Paulo

O bazar do Planalto reabriu as portas. É o jeito lulista de fazer política. Tendo ignorado por completo a base aliada no Congresso, no empacotamento das medidas concretas de aumento de impostos e da intenção anunciada de cortar R$ 20 bilhões do gasto dos Três Poderes, uma coisa e outra para irrigar as contas federais depois que secou a fonte da CPMF, o presidente Lula mandou os seus “vendedores” queimarem o estoque de cargos que podem ser mercadejados com os partidos governistas. A idéia é neutralizar no nascedouro os ensaios de traição dos parlamentares expostos ao risco de serem privados do seu capital mais precioso - a materialização das suas emendas, individuais ou de bancada, ao Orçamento da União, que somam mais de R$ 60 bilhões. É jogo jogado, como se diz. “Se o governo vai cortar emendas, tem de liberar os cargos”, anuncia as suas condições o líder do PR na Câmara, Luciano do Castro. “Passar a tesoura nas emendas é arrumar encrenca com o Congresso.”Depois de ter feito muito, mas não o suficiente - no conspurcado plano fisiológico, bem entendido - para prevenir as defecções nas bancadas da coalizão, que se revelariam decisivas para a derrubada da CPMF no Senado, desta vez no Planalto não se admite a hipótese de que os seus parceiros de mesa estejam blefando. “Qualquer ameaça tem de ser levada em conta”, concede o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. Ele se refere, naturalmente, à possibilidade de que um certo número de deputados e senadores da base se vinguem do governo, deixando espaço para a oposição bloquear a votação do Orçamento-Geral da União e, no limite, pôr em xeque a aprovação da medida provisória que aumentou a CSLL. (Por decreto, o presidente Lula fez o mesmo com alíquotas do IOF.) O Congresso voltará a funcionar em fevereiro, depois do carnaval. O governo corre contra o tempo: as decisões sobre a execução orçamentária, neste ano eleitoral, precisam ser tomadas todas no primeiro semestre.Daí a urgência em “tentar resolver as demandas reprimidas nos Estados”, conforme o eufemismo do ministro para a frustração das caciquias partidárias diante do não preenchimento das vagas federais pelo País afora. “Tentar resolver” é bem o termo, porque as demandas são também conflitantes e não raro excedem à oferta. Trata-se de qualquer coisa como 300 cargos regionais negociáveis. Isso sem falar nos muito menores e muito melhores empregos na cúpula das estatais do setor energético, como a Eletrobrás, Eletronorte e Eletrosul. O PMDB-Senado finalmente deve emplacar o maranhense Edison Lobão como titular de Minas e Energia. Mas o PMDB-Câmara também apresenta a sua fatura nessa área - nada menos do que a diretoria internacional da Petrobrás. O pior, para Lula, é que, supondo possível a quadratura do círculo, com o pleno atendimento das reivindicações concorrentes no seio do governismo, ainda assim continuará sendo mais fácil falar em cortes do que cortar.“Todo mundo acha que é preciso cortar, mas não no seu setor”, resume Monteiro, constatando uma eterna verdade na esfera pública nacional. No regime constitucional dos Poderes “harmônicos e independentes entre si”, o Executivo não tem a prerrogativa de dizer ao Legislativo e ao Judiciário quanto e onde gastar. A isso se acrescentam, no caso do governo, os gastos insuscetíveis de cortes, como as transferências e repasses de recursos estabelecidos na Constituição. Fechando o círculo, este é um governo que faz praça de sua crescente prodigalidade ali onde está livre para gastar menos ou mais. Foi esse desregramento erigido em filosofia administrativa que levou Lula a admitir, no seu mais recente programa semanal de rádio, anteontem, que é preciso cortar. “Resolvemos com muita seriedade e tranqüilidade anunciar ao Brasil que temos de cortar na veia outra vez.” É pena que, mais uma vez, tenha se confundido com as metáforas. Cortar a (não na) veia é coisa de suicida. Para economizar gastos é preciso “cortar na carne”. Aliás, para deter a verdadeira hemorragia de gastos que só se mantém à custa de uma das mais iníquas cargas tributárias do planeta, não se pede que se corte na carne da administração pública, mas sim nas suas enxúndias político-administrativas.

Nenhum comentário: