sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

'Não se pode admitir que alguém use TV Educativa para agredir'

Por Fausto Macedo
no Estado de São Paulo

“Os atos judiciais são institucionais, não pessoais”, disse o desembargador federal Edgard Lippmann Júnior, que enquadrou o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), e o proibiu de atacar rivais políticos, imprensa e instituições pela RTVE, a Rádio e TV Educativa do Estado. Paranaense de Guarapuava, 54 anos de idade e 19 de toga, Lippmann integra o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A corte fica sediada em Porto Alegre, mas tem jurisdição também no Paraná. Lippmann acolheu ação do Ministério Público e mandou Requião cessar as ofensas. Desobedecida sua ordem, impôs multa de R$ 50 mil por agressão. “Não se pode admitir que alguém se utilize de uma TV Educativa para agredir quem quer que seja”, argumenta o desembargador.
Por que enquadrou o governador?
Parece que o governador se alimenta e realimenta de polêmicas. Melhor é realizar do que ficar falando e debatendo de um modo que não leva a nada. O povo paranaense está mais interessado em que se cumpra o programa de governo.
Requião se diz alvo de censura.
Não se pode admitir que alguém se utilize de uma TV Educativa para agredir quem quer que seja. O mesmo tribunal que agora o governador acusa de censura ele utilizou para entrar com ação contra a imprensa. Quando a decisão é contra seu interesse ele achincalha o Judiciário. Se acha que tem razão, que lute com instrumentos legítimos, não com expedientes escusos.
O governador diz que sua decisão viola princípio constitucional da liberdade de expressão.
O artigo 37 da Carta trata dos princípios da administração pública. Tanto a TV quanto o governador, que é o chefe do Executivo, estão vinculados aos princípios da impessoalidade, da transparência, da legalidade e da eficiência. Pois nesse cotejo das garantias não existe garantia constitucional absoluta. Temos elementos que constam dos autos, indícios de desvio de finalidade no uso da TV Educativa. Esse desvio merecia intervenção severa do Poder Judiciário.
Requião protesta contra a multa que o sr. impôs.
De fato, foi fixada multa de R$ 50 mil por agressão. Em caso de reincidência determinei elevação da multa para R$ 200 mil. A sanção é para o sr. Requião como pessoa física. Não é justo que o contribuinte arque com isso. É multa pessoal para o cidadão Roberto Requião.
A decisão foi acatada por ele?
Essa medida foi proferida dia 8 de janeiro. Importante salientar que minha decisão não o proibiu de participar da programação da TV. O objetivo da medida foi justamente deixar claro que a finalidade da TV é a educação do povo paranaense. Mandei intimar o governador para que se abstenha de utilizar o programa para proferir essas agressões. Direitos individuais e da coletividade estavam sendo feridos reiteradamente.
Ele foi intimado e não obedeceu?
Foi intimado da decisão no dia 15, mas voltou a utilizar o programa para novas agressões. Como ficou muito bem caracterizado o descumprimento da medida e a desobediência, aplicamos multa de R$ 50 mil. Determinei que a TV abrisse espaço para direito de resposta coletivo caso persistissem as violações. Ordenei, ainda, que a emissora veiculasse a cada 15 minutos nota de desagravo da Associação dos Juízes Federais, que se insurgiu contra o flagrante abuso e desrespeito contra a magistratura. Na terça-feira, o governador cancelou o programa Escola de Governo e tirou a emissora do ar. Reitero que em momento algum fiz qualquer restrição à TV nem ao programa.
O sr. tem alguma coisa contra o governador?
O juiz se mantém eqüidistante das partes e é assim que atuo. Temos de um lado o Ministério Público, autor da ação, e de outro lado os agravados, o governador, a Anatel, a União e o diretor da Educativa. A Anatel e a União têm o dever de fiscalizar as emissoras, que são uma concessão. Havendo desvios, devem intervir. O juiz é um ser humano. Ouve versões de ambos os lados. O que chama a atenção é que até hoje não houve recurso específico contra nenhuma das minhas decisões.
O governador diz que o sr. foi candidato a deputado estadual pelo PDT. Isso tira sua isenção?
Aos magistrados é expressamente vetada a vinculação política. Eu sou juiz de carreira desde 1988. Desde então estou proibido de exercer qualquer atividade partidária, sob pena de demissão. Dois anos antes de ingressar na magistratura, em 1986, fui realmente candidato a deputado estadual pelo PDT, no Paraná. Não fui eleito. E daí? Ele (Requião) quer fazer crer que, decorridos mais de 20 anos, eu ainda estaria alimentando uma possível ideologia política e, com isso, teria algum interesse político em prejudicá-lo? Isso é completamente fora de propósito.
Requião diz que o sr. defende os bingos.
Houve uma ação envolvendo a empresa Golden Bingo. Um recurso chegou ao tribunal e foi julgado. Esse bingo foi autorizado a funcionar, a continuar explorando suas atividades em Curitiba. Há uns 3 anos, quando isso ocorreu, havia controvérsias se os bingos eram ou não ilegais. O que o governador não conta é que nesse mesmo processo o procurador-geral do Estado, Botto de Lacerda, trouxe aos autos a notícia de que havia irregularidades na constituição da empresa. Imediatamente cassei decisão por mim dada anteriormente.

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