quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Obama sofre pressão para vender feijão, e não sonhos

Por Sérgio Dávila
na Folha de São Paulo

Quando subir ao palco do estádio Invesco na noite de hoje, em Denver, no Colorado, e começar a falar para uma platéia de 80 mil pessoas diante do que até a noite de ontem parecia ser um cenário que imita colunas gregas ou um templo romano, o senador democrata Barack Obama terá dois desafios: definir-se e unir os outros.Mais do que falar de sua biografia, quesito que já foi cumprido pelo discurso de Michelle Obama na segunda, o candidato democrata deve vender de maneira clara e simples sua proposta econômica e de segurança para o país, unificar um partido cindido pela disputa com os Clinton e evitar parecer arrogante. Será tarefa hercúlea.Obama vem sofrendo pressão do comando do partido para falar mais claro e ser mais explícito em sua plataforma. A frente é liderada pelos governadores, principalmente os que apoiaram Hillary Clinton nas primárias e os que estão à frente dos Estados-pêndulo, decisivos em novembro.Pedem que na noite de hoje ele fale menos de sonho e mais de feijão, que dê tanta importância a questões diretamente ligadas ao bolso do eleitor quanto dá a temas unificadores e que tocam multidões, mas são vagos, como "esperança".O mais eloqüente entre eles é Ed Rendell, da Pensilvânia, que comparou o candidato a Adlai Stevenson (1900-1965), intelectual democrata que concorreu duas vezes à Presidência e perdeu. "Você faz uma pergunta a Obama, e ele lhe dá uma reposta de seis minutos, inteligente, intelectual, bem colocada, abrangente, mas que rende péssima sonora para a TV.""Precisamos começar a contra-atacar com frases curtas e compreensíveis", diz. "Todo mundo está nervoso, diz que nós deveríamos abrir 10, 15 pontos. O que está havendo?"Preocupa o partido principalmente a eficácia dos anúncios negativos de John McCain, que pintam Obama como alguém inexperiente e elitista.
Pesquisas
A mensagem do oponente encontra ressonância na opinião pública. Segundo pesquisa da CNN divulgada ontem, 78% dos ouvidos acham que McCain é preparado para ser comandante-em-chefe dos EUA e para lidar com crises internacionais; o número desaba para 58% quando se trata de Obama."A convenção é o momento ideal para um candidato convencer o público de que ele tem um plano claro para resolver os problemas", disse Keating Holland, coordenadora da pesquisa da emissora. Obama ouviu as críticas e entendeu o recado.O candidato não deu detalhes sobre seu discurso, que continua o segredo mais bem-guardado da convenção. Em aparição-surpresa no final da noite no palco do Pepsi Center, ele agradeceu os discursos de Hillary Clinton - "ela balançou a casa!", disse- e de Bill Clinton -"um presidente que coloca o povo em primeiro lugar"- e repetiu slogans de campanha.Para redigir o texto de hoje, ouviu palpites de apenas duas pessoas, o estrategista David Axelrod e o escritor de discursos Jon Favreau. Espera-se uma alusão a "Eu tenho um sonho", pronunciado por Martin Luther King há 45 anos. E que a parte "poética" fique por aí."Não estou mirando muito na retórica", disse o candidato ao "USA Today". "Estou mais preocupado em comunicar como eu pretendo ajudar famílias de classe média." Ontem, ao "Wall Street Journal", reafirmou sua guinada pé-no-chão."A questão que terei de deixar claro é que a escolha que temos é entre a mesma política fracassada dos últimos oito anos para a classe média e uma nova agenda para aumentar a renda dos americanos e ajudar as famílias em necessidade."Obama percebeu que sua mensagem pode ser embaçada pela grandiosidade. Para voltar a Rendell, "é difícil para as pessoas se identificarem com gente bem-dotada. Obama é bonito, incrivelmente brilhante, articulado e bem-sucedido. Não é exatamente o sujeito mais fácil de se identificar".

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