sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Oito anos bastam, diz Obama a multidão

Por Sérgio Dávila
na Folha de São Paulo

Quarenta e cinco anos depois de Martin Luther King dizer que tinha um sonho, o senador Barack Obama, primeiro candidato negro à Presidência por um partido majoritário na história dos EUA, arrancou o aplauso de 80 mil pessoas ao aceitar a indicação do Partido Democrata falando duro e alto sobre como realizar esse sonho, que ele rebatizou de "Promessa Americana".No discurso, esse havaiano de 47 anos, filho de um queniano criado na tradição muçulmana e uma branca do Kansas, afirmou: "Nesta noite, digo ao povo americano, aos democratas e republicanos e independentes por esta grande terra: Chega! Este momento -esta eleição-é nossa chance de manter, no século 21, a promessa americana viva".Por 45 minutos, interrompidos por gritos de "Sim, nós podemos!" e batidas de 160 mil pés no chão -a maioria de brancos-, Obama foi menos lírico e mais direto do que as falas que o projetaram: "Essa é a mudança de que precisamos já. Por isso, deixe-me explicar exatamente o que ela significará se eu for o presidente".E Obama explicou. Atacou duramente os dois mandatos de George W. Bush, e repisou a ligação do presidente republicano impopular com o candidato do partido da situação, John McCain: "América, nós somos melhores do que estes últimos oito anos. Nós somos um país melhor do que isso".Referiu-se à convenção republicana, que começa na segunda e sagrará McCain como candidato. "O mesmo partido que deu a vocês dois mandatos de George Bush e Dick Cheney pedirá a este país um terceiro. E nós estamos aqui porque amamos este país demais para deixar que os próximos quatro anos se pareçam com os últimos oito. Em 4 de novembro, precisamos nos erguer e dizer: "Oito anos bastam"."
Ataque a McCain
Obama elogiou o passado de herói de guerra do oponente: "Que não haja dúvida. John McCain, usou o uniforme de nosso país com coragem e distinção, e por isso nós lhe devemos gratidão e respeito".Mas a ligação estava feita e seria repetida. "John McCain votou com George Bush 90% das vezes. O senador McCain gosta de falar sobre discernimento, mas na verdade o que dizer sobre seu discernimento quando você acha que George Bush estava certo 90% das vezes? Eu não sei quanto a vocês, mas eu não estou pronto para aceitar uma chance de mudar de apenas 10%", afirmou.Reconheceu os problemas econômicos por que passam os EUA e ofereceu soluções explícitas para a classe média do país -explícitas, embora de viabilidade duvidosa. "Cortarei os impostos de 95% das famílias. Numa economia como esta, a última coisa a fazer era elevar os impostos da classe média."Em resposta ao que tem sido uma das peças fundamentais da campanha de McCain, a suposta tibieza dos democratas em assuntos de segurança nacional, afirmou: "Nós somos o partido de [Franklin] Roosevelt, de [John] Kennedy, então não me digam que os democratas não vão defender este país."Respondeu às críticas de que não estava pronto para liderar, e criticou indiretamente a condução da Guerra do Iraque. "Como comandante-em-chefe, nunca hesitarei em defender esta nação", afirmou.Disse ainda que acabaria com aquele conflito "responsavelmente" e terminaria a luta contra a Al Qaeda e o Taleban no Afeganistão. "John McCain gosta de dizer que vai seguir Bin Laden aos portais do inferno, mas não foi nem à caverna onde ele vive. Você não contém o Irã e protege Israel só falando duro em Washington."Prometeu encerrar a dependência dos EUA do petróleo do Oriente Médio "em dez anos". Não é pouca coisa, quando menos porque a Constituição do país permite a um presidente dois mandatos de no total oito anos -e Barack Obama ainda nem foi eleito.Citaria no final o discurso de Martin Luther King, ao repetir: "América, não podemos retroceder". Ainda assim, o que se viu na noite de encerramento da mais importante convenção democrata dos últimos anos foi um Obama mais assertivo e menos generalista, mais crítico e menos messiânico. Mais feijão e menos sonho, como havia pedido seu partido.

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