sábado, 14 de junho de 2008

"Não" irlandês a tratado põe Europa em crise

Na Folha de São Paulo com agências internacionais

Os eleitores da República da Irlanda mergulharam a União Européia na mais grave de suas recentes crises, ao rejeitarem em referendo, por 53,4% a 47,6%, a ratificação do Tratado de Lisboa, novo conjunto de normas para o funcionamento do bloco de 27 países.O resultado da votação de quinta-feira, anunciado ontem, compromete de vez o cronograma pelo qual o tratado passaria a vigorar em janeiro.Os irlandeses, por exigência constitucional, são os únicos cidadãos europeus que opinariam sobre o tratado por meio do voto popular. Nos demais países da UE, a ratificação vem ocorrendo pelos Parlamentos.O primeiro-ministro irlandês, Brian Cowen, politicamente enfraquecido pelo resultado, dará explicações aos governantes do bloco, em reunião de cúpula marcada para a próxima quinta-feira, em Bruxelas.O encontro também definirá o que poderá acontecer a partir de agora. José Manuel Barroso, presidente da Comissão Européia, braço executivo da UE, exortou os demais países a prosseguirem o processo de ratificação do tratado.Na corrente contrária, Vaclav Klaus, presidente da República Tcheca -um dos países onde o texto ainda não foi ratificado-, disse que "o Tratado de Lisboa está morto".Para o eurodeputado Martin Schulz, líder da bancada socialista no Parlamento Europeu, o referendo na Irlanda relançará o debate sobre "a Europa com duas velocidades", na qual alguns Estados-membros querem acelerar o processo de integração, enquanto outros acreditam que essa integração já é excessiva e compromete os seus interesses nacionais.O Tratado de Lisboa foi criado justamente em substituição ao mais ambicioso projeto de uma Constituição européia, rechaçado em 2005 também em referendos populares, daquela vez na França e na Holanda.
Abstenção menor
Compareceram para votar 53% dos 3 milhões de eleitores, número elevado num país em que o voto é facultativo e acima das projeções iniciais, que indicavam 60% de abstenção.Em 2001, quando os mesmos irlandeses rejeitaram o Tratado de Nice (conjunto anterior de leis da UE), o comparecimento foi inferior, 35%, o que legitimou o governo de Dublin a negociar com seus parceiros do bloco pequenas mudanças no texto e convocar uma nova votação. A manobra não poderá ser repetida agora com a mesma facilidade, diante de uma abstenção bem menor.Haviam feito campanha pelo "sim" os principais sindicatos, grupos empresariais e associações de agricultores. Os partidários do "não" formavam um bloco heterogêneo, com católicos tradicionalistas, nacionalistas do Sinn Fein, grupos de esquerda e empresários isolados.Segundo a Reuters, a campanha pelo "não" sensibilizou um grupo crescente de trabalhadores mais modestos que se sente cada vez mais afastado das elites políticas de Dublin e de Bruxelas, sede da União Européia.Nos subúrbios ao sul de Dublin, de maior poder aquisitivo, o "sim" obteve 63%, enquanto nos bairros operários da cidade venceu o "não", com 65%.
Aborto e casamento gay
A campanha pelo "não" foi mais eficiente ao levantar bandeiras de fácil compreensão, como a discutível possibilidade de a Irlanda se tornar vulnerável à legalização do aborto, da eutanásia e do casamento gay.Num plano mais elaborado, afirmavam que a integração na área da defesa comprometeria a histórica neutralidade irlandesa ou que a adoção de impostos mais elevados para empresas estrangeiras levaria à emigração de corporações que têm no país suas sedes européias (Google, Pfizer ou Intel).Segundo o "Le Monde", os argumentos em favor do "não" foram amplificados pelos jornais do magnata Rupert Murdoch, visto como adversário da UE. São dele o "Irish Sun" e o "Irish News of the World".

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