domingo, 8 de junho de 2008

Reforma em Cuba mira cofre do regime

Por Denise Chrispim Marin
no Estado de São Paulo

Quem espera abertura política em Cuba em curto ou médio prazos pode esperar sentado. Em Havana, não há espaço para ilusões: a realidade continua sendo tocada sob inspiração de Fidel Castro, apesar da posse formal de seu irmão Raúl Castro. O ingresso crescente de investimentos estrangeiros não será suficiente para desmontar o regime que impera há 50 anos na ilha. As tímidas medidas de abertura econômica - a festejada liberação da venda de telefones celulares e computadores a cubanos, que agora também têm acesso aos hotéis antes reservados aos estrangeiros - são os instrumentos para o Estado absorver atividades rentáveis que se disseminavam no mercado negro do país e dispersar pressões de uma "classe média". Os mecanismos de controle, afirmam os próprios cubanos, estão mais vivos do que nunca. Por enquanto, a retirada de Fidel, em agosto de 2006, e sua sucessão definitiva pelo general Raúl Castro, em fevereiro passado, podem ser resumidos pela idéia de que "é preciso que tudo mude se quisermos que tudo continue como está", máxima celebrizada no romance O Leopardo, do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957). A "revolução dentro da revolução", propagandeada até mesmo nos meios dissidentes, tende a limitar-se à adoção de melhorias na qualidade de vida da população, o que, diante da precariedade cotidiana, não exige medidas nem profundas nem sofisticadas . Na outra ponta, as reformas controladas tentam injetar alguma eficiência na máquina estatal. No mais, o país continua longe da abertura para as liberdades político-econômicas e ao respeito aos direitos humanos. "Cuba pode até abrir-se mais, por pura necessidade do Estado, ao capital estrangeiro. Mas essa abertura não será acompanhada pela maior liberdade política nem pelo respeito aos direitos civis", afirmou um observador do cotidiano da ilha que, assim como a maioria das pessoas ouvidas pelo Estado, preferiu não se identificar. O governo cubano sustenta a tese de que "o povo não quer mudar o regime, mas apenas melhorar de vida". Desde sua posse, Raúl deixou claro que Cuba não dará uma guinada. O crescimento econômico dos últimos anos e a equação da crise de energia - graças à oferta de petróleo subsidiado da Venezuela, ao aumento das remessas de cubanos que vivem no exterior e ao fomento do turismo - trouxeram benefícios a, pelo menos, uma fatia dos seus 11,3 milhões de habitantes.O último dado disponível, fornecido pelo Banco Mundial (Bird), diz que o PIB de Cuba cresceu 5,4% em 2004. A CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, estimou que, no ano passado, esse crescimento foi de 7%. Esse cenário reduziu pressões sociais latentes. Ao mesmo tempo, acentuou diferenças sociais abominadas pela propaganda do regime. Funcionária na área de turismo, Rosa, de 50 anos, tem um status incomum à maioria dos cubanos. Loura e de olhos verdes, ela vive em uma casa com ar-condicionado, freqüenta academia de ginástica, tem telefone celular e usa bons cremes para a pele. Com o salário mensal de 400 pesos nacionais (US$ 17,30), mal conseguiria preencher a dispensa com alimentos. O conforto de Rosa vem dos euros que as duas filhas enviam da Espanha e da Alemanha e são trocados por pesos conversíveis - o CUC (abreviação de "(pesos) cubanos conversíveis"), moeda forte cotada a US$ 1,08 e cujo acúmulo é a chave para um nível de vida mais confortável. "Tudo é suscetível a melhorias aqui em Cuba", afirmou ela. O dissidente Eloy Gutiérrez Menoyo, de 73 anos, resume a realidade na ilha. "Há um triângulo do roubo em Cuba", disse Menoyo ao Estado. "O governo rouba o trabalhador, ao pagar um salário de fome. O trabalhador rouba do governo os meios de produção. Se ele trabalha em uma fábrica de leite em pó, rouba o leite e revende no mercado negro. E o governo resgata essa perda com o monopólio do comércio de produtos em pesos conversíveis (CUC)", acrescentou.
RESTRIÇÕES
Até o momento, não há sinais de que o governo relaxará as restrições que marcaram os 50 anos de regime castrista. Os cubanos só podem entrar e sair do país com autorização oficial. Outra Rosa, uma aposentada de 69 anos, conseguiu visitar seis vezes o filho, que vive nos EUA. A cada vez, teve de passar pelo calvário da burocracia local. Graças às remessas de dólares de sua família, prefere não emigrar. Em outro universo, insatisfeitos cidadãos do leste do país que migram para Havana em busca de trabalho continuam a ser "deportados" de volta pelo governo. No leste da ilha a indústria do turismo é mais fraca e há menos emprego. Embora apresente indicadores sociais invejáveis para o restante da América Latina, Cuba mantém a cartilha ideológica nas escolas e não permite alternativas pedagógicas. Nos hospitais, faltam agulhas e outros materiais descartáveis. Marta, de 52 anos, realizou apenas 16 das 42 sessões de radioterapia recomendadas para seu tratamento de câncer de mama. Antes de cada jornada ao Hospital Oncológico de Havana, Marta tem o cuidado de telefonar para checar se o aparelho está funcionando. O acesso à internet é vedado nos domicílios. Nos hotéis, duas horas de conexão saem por cerca de CUC$ 12 - valor equivalente ao salário mensal em pesos nacionais de um profissional de nível médio. As notícias diárias vêm de meios de comunicação oficiais, salvo para os cubanos que compram antenas para alcançar a programação do exterior, via satélite. A imprensa estrangeira que atua no país tem as mãos atadas e os passos vigiados. Os vistos para jornalistas de outros países trazem um período mínimo de tempo, calculado para inibir o trabalho de reportagem. O acesso a analistas e a autoridades tem de ser, obrigatoriamente, intermediado pelo Centro Internacional de Imprensa - órgão estatal com funcionários treinados para criar dificuldades, repetir chavões revolucionários e criticar o material publicado na mídia estrangeira. Abordada por um jornalista estrangeiro, a fonte cubana automaticamente pede que entre em contato com o Centro. Em seu discurso de posse, Raúl anunciou que estava em estudos uma reforma ministerial, para enxugar uma máquina que, hoje, reúne 31 órgãos de primeiro escalão. Passados três meses, nenhuma mudança ocorreu. Os sinais em favor de uma maior atividade da Assembléia Nacional também são apenas isso, sinais. O dissidente Oswaldo Payá calcula que cerca de 200 cubanos estejam presos por razões políticas e submetidos a torturas. Em 2003, Payá coordenou o Projeto Varela, um documento que reuniu 11 mil assinaturas em favor de uma nova Constituição para o país. Dentre seus companheiros pela abertura democrática, 75 foram presos. Desses, 55 continuam encarcerados. "A visão sobre Cuba no exterior é cada vez mais deformada. O governo não anunciou nenhuma mudança econômica, nunca falou em direitos humanos. Todos os sinais do totalitarismo ainda estão presentes", afirmou Payá ao Estado. "O governo faz apenas reformas de superfície."

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