segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Transparência e segurança

Editorial do Estado de São Paulo

“Na época da ditadura, a segurança nacional era argumento para toda perseguição política. Agora é usada para impedir o acesso às informações sobre o uso dos recursos públicos.” Esta afirmação do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) é um bom resumo da deliberada mistura de conceitos que fazem detentores de poder, visando a confundir a segurança do Estado com a “proteção” dos governos contra a crítica política. A sistemática sonegação de informações, do governo federal, aos pedidos de esclarecimento feitos por deputados federais a diversos Ministérios e a altos escalões da administração, assim como o abuso no uso das tarjas de “confidencial” e “reservado” em documentos relacionados a assuntos rotineiros, que não implicam risco algum à segurança nacional (mas podem comprometer servidores, por malversação), marcam o precário entendimento do que sejam tanto a transparência quanto a segurança nacional numa democracia - visto que, nesta, o essencial é que a cidadania tenha conhecimento dos atos dos detentores de poder de Estado, para certificar-se da sua lisura. Levantamento deste jornal dá conta de 18 pedidos de informação, feitos por deputados no ano passado, a Ministérios e instâncias do governo federal - no que os parlamentares exerciam inquestionável prerrogativa constitucional -, aos quais o governo “carimbou” com as chancelas que impedem a divulgação de dados: “informação reservada” e “informação confidencial”. Os exemplos chegam a ser derrisórios: para o Ministério da Fazenda é “confidencial” o contrato de um advogado com a Caixa Seguros (sobre o qual a Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara recebeu informações de eventual irregularidade). Também são “confidenciais” as compras de álcool carburante da BR Distribuidora, os contratos firmados com as empresas encarregadas dos preparativos dos Jogos Pan-Americanos, as viagens de autoridades em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), assim como “reservadas” são as informações sobre os gastos com publicidade da Petrobrás durante os Jogos Pan-Americanos. Aliás, o que sempre se destaca com maior grau de “reservabilidade” são os gastos em publicidade dos Ministérios e estatais, em geral...Com base no fato de a Constituição garantir ao Legislativo o poder de requerer informações a ministros e órgãos vinculados à Presidência da República - fixando prazo de 30 dias para a resposta, sob pena de crime de responsabilidade -, o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) acionou a Justiça quando informações sobre gastos de publicidade da Petrobrás foram classificadas como “reservadas”. E voltou aos tribunais para acabar com a chancela de “confidencial” na resposta que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, deu a seu pedido sobre as viagens de ministros nos aviões da FAB. Sem dúvida é um argumento capcioso - para dizer o menos - o que associa a “segurança” de um ministro de Estado (ante qualquer remota eventualidade de atentados, o que, felizmente, não faz parte da circunstância brasileira atual) com o desfrute indevido de equipamentos públicos, obtido pela influência do poder. E nem chega a ser capcioso - por ser claramente absurdo - o esconder de gastos de uma estatal com publicidade, em benefício do que (ou de quem) a sociedade não tenha a menor noção a respeito. Disse o deputado Chico Alencar, que também fez requerimento sobre o uso de aviões da FAB por autoridades - e como resposta obteve, mesmo sem o carimbo de confidencial, um amontoado de siglas e dados incompletos: “A linguagem tecnocrática é a do ocultamento. Não há prestação de contas à sociedade.” E dá para refletir sobre a conclusão a que chegou o deputado: “É um fenômeno. Parece que quanto mais cresce a popularidade do presidente Lula, mais à vontade o governo fica para esconder dados e evitar a transparência. Não teme a cobrança nem a crítica e não tem compromisso com a abertura.” Aí só caberia fazer uma pequena correção na observação do parlamentar do PSOL. Se o governo esconde é porque teme, sim, a cobrança e a crítica da opinião pública - e as numerosas quedas de ministros, mesmos sob os enternecidos afagos presidenciais, o comprovam. Isso significa que, apesar de tudo, a opinião pública ainda vale alguma coisa - vale dizer, a democracia está funcionando cada vez melhor neste país.

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