quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

ONU aponta racismo "persistente" no Brasil

Por Marcelo Ninio
na Folha de São Paulo

A primeira revisão sobre os direitos humanos no Brasil feita pelo novo órgão especializado das Nações Unidas aponta uma grande e persistente incidência de casos de racismo, tortura, violência policial e discriminação contra a mulher. O Brasil está no primeiro grupo de países que passarão pela Revisão Periódica Universal, mecanismo criado em 2006, junto com o Conselho de Direitos Humanos da ONU.A revisão, que no caso do Brasil ocorrerá no dia 14 de abril, será baseada em três relatórios, um com informações enviadas por ONGs (organizações não-governamentais), outro com uma compilação de informações recolhidas pela ONU nos últimos anos, e um terceiro preparado pelo governo. O prazo para a apresentação dos documentos era a última segunda, mas até ontem o do governo era o único ainda não disponível no site das Nações Unidas.Na versão preliminar que apresentou em audiência pública no Senado, no último dia 12, o governo foi criticado pelas ONGs por ter exaltado as ações do governo sem responder às recomendações feitas pela ONU. Segundo a coordenadora de Relações Internacionais da Conectas Direitos Humanos, Lucia Nader, que participou da sessão, o Brasil só menciona uma das 117 recomendações feitas pelos nove relatores especiais da ONU que visitaram o país desde 2000."Esperamos que a versão final tenha menos propaganda do governo e responda mais às recomendações sobre o Brasil como um todo, não apenas no nível federal", diz Nader. Para ela, o país tem uma responsabilidade extra no Conselho de Direitos Humanos da ONU, pois sempre foi um dos maiores defensores do mecanismo de revisão universal.O relatório da ONU lembra as cobranças feitas em 2005 ao Brasil em relação a abusos como expulsões de populações indígenas de suas terras, execuções extrajudiciais, tortura, superpopulação carcerária e condições desumanas das cadeias, entre outros. No entanto, diz o documento, "a resposta tem sido adiada desde 2006".Embora reconheça "esforços feitos para reformar o Judiciário e aumentar sua eficiência", a ONU diz que continua preocupada com a "interferência" da corrupção na Justiça brasileira. Com base numa inspeção mais recente, do ano passado, a organização observa que a violência atinge sobretudo a camada mais humilde da população."Em 2007, o relator especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias e arbitrárias observou que o homicídio era a principal causa de mortes entre pessoas com idade entre 15 e 44, com 45 mil a 50 mil homicídios cometidos todo ano", diz o documento. "As vítimas são, em sua maioria, jovens do sexo masculino, negros e pobres."O relatório com observações de 22 ONGs alerta para altos índices de discriminação racial e sexual e enfatiza o problema da violência. Também chama a atenção para a distância entre a legislação e sua prática. A Anistia Internacional afirma que, com a Constituição de 1988, o Brasil adotou "as leis mais progressistas para a proteção dos direitos humanos da América Latina". "No entanto, persiste um enorme fosso entre o espírito dessas leis e sua implementação", diz a organização.

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