domingo, 9 de dezembro de 2007

Pobres votaram contra reforma de Chávez temendo expropriação

Por Lourival Sant'ana
no Estado de São Paulo

A favela do Petare lembra a Rocinha. A rua asfaltada que sobe o morro íngreme vai se estreitando até se dispersar em vielas de cimento, ladeadas por escadarias levando a barracos que se apóiam em lajes e pilares de concreto, desafiando as leis da gravidade e da engenharia. No acidentado relevo desse bairro densamente povoado do extremo leste da Grande Caracas, como noutras áreas pobres, o presidente Hugo Chávez, habituado a ganhar todas as votações, conheceu o gosto da derrota no referendo de domingo.À uma da tarde, Ana Rodríguez vem subindo, ofegante, uma dessas escadarias, com os filhos Roiker e Robinson, atrasados para levar a pequena marmita com o almoço do pai, que trabalha como serralheiro. “Das outras vezes votei no presidente, mas no domingo votei ‘não’ porque não estava de acordo com aquelas mudanças”, diz Ana, dona-de-casa de 37 anos. “Disseram que iam me expropriar, e eu digo: ‘Como assim?’”, indigna-se Ana. Ela mora num barraco próprio e conseguiu construir outro, que aluga por 200 mil bolívares (US$ 93, no câmbio oficial). “Porque tenho casa alugada, estou me tornando milionária? Construímos com trabalho, sem prejudicar ninguém. Assim como meu marido, outros também podem trabalhar.”A reforma constitucional rejeitada no referendo introduzia a propriedade “social”, “comunal” e “coletiva”, ao lado da privada, e tornava efetivo o confisco de bens pelo Estado antes de decisão final da Justiça. A oposição difundiu a versão de que o governo ia expropriar a propriedade privada. Chávez negou - sem êxito, como se vê. Muitos pobres na Venezuela sentem que têm o que perder. O irônico é que Chávez contribuiu para isso: o barraco de Ana foi construído com material doado pela prefeitura de Sucre, que administra o Petare, com verba de um programa do governo central. Mas ela não se comove: “É um direito que temos todos os venezuelanos. Muita gente ganhou o material e o vendeu. A corrupção nunca vai acabar neste país.” Já seu filho Robinson, de 19 anos, que terminou o segundo grau e trabalha ajudando o pai a tirar 2 milhões de bolívares (US$ 930) por mês, conta que votou no “sim” em retribuição pelo material de construção. O mesmo aconteceu com Yesenia Velásquez, de 29 anos. O barraco onde ela mora com o marido, dois filhos e a sogra tinha só um quarto. Com o material doado pelo prefeito chavista José Vicente Rangel Avalos, seu marido, que trabalha de motorista, ergueu o andar de cima, com mais dois quartos. “E ainda tem material aí”, alegra-se Yesenia.

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