quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Um risco para o Mercosul

Editorial do Estado de São Paulo

Não interessa ao Brasil, neste momento, o ingresso da Venezuela no Mercosul. Não há justificativa econômica, nem diplomática, para se acolher no bloco o país comandado pelo presidente Hugo Chávez. Aprovar a adesão da Venezuela, agora, seria entregar um cheque em branco a um parceiro que nem sequer assumiu os compromissos mínimos para a associação. Em contrapartida, sobram razões para se recusar, nas condições de hoje, a pretensão venezuelana de participar da união aduaneira formada por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Se o Congresso aprovar essa participação, atendendo às pressões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, será cúmplice de mais um erro de política externa - um dos mais graves praticados na gestão petista. Para começar, falta discutir detalhes técnicos da inclusão de mais um sócio no Mercosul. O governo venezuelano tem conseguido adiar a discussão, embora insista em obter a aprovação do Congresso brasileiro. Se tem tanto interesse, por que não procura eliminar todas as dúvidas definitivamente?Em segundo lugar, as condições fixadas até agora são muito desiguais e interessam muito mais à Venezuela do que ao Brasil. A maior parte dos produtos venezuelanos poderá entrar livremente no mercado brasileiro a partir de 2010. Os exportadores brasileiros terão a vantagem recíproca dois anos mais tarde. Além disso, a Tarifa Externa Comum (TEC) só deverá valer para o novo sócio a partir de 2014 - e isso na melhor hipótese, pois o governo do presidente Chávez nem sequer aceitou formalmente essa cláusula, essencial ao funcionamento de uma união aduaneira. Em terceiro lugar, o presidente Hugo Chávez já declarou, para quem quiser ouvir, que pretende entrar no Mercosul para mudá-lo. Não explicou em que consistirá a mudança, nem o presidente Lula parece haver-se importado com isso. Mas os brasileiros menos propensos a fantasias ideológicas não podem menosprezar esse detalhe. Que associação é essa que aceita um sócio que anuncia a intenção de transformá-la segundo seus planos particulares? Em quarto lugar, não tem sentido, neste caso, tratar separadamente dos objetivos econômicos do bloco e das bandeiras políticas de um candidato a sócio - entre as quais a da “destruição do império”. Só um bloco suicida sujeitaria suas possibilidades de acordos com quaisquer parceiros às idiossincrasias e preferências ideológicas de um de seus membros, especialmente de um membro não fundador. O projeto de inclusão da Venezuela deve ser votado hoje pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, quase um mês depois de ter sido aprovado pela Comissão de Relações Exteriores. O relator do projeto na CCJ, deputado Paulo Maluf (PP-SP), votou a favor da aprovação, “apesar de Hugo Chávez”. Segundo Maluf, convém tratar separadamente do país e de seu governante: “A Venezuela é eterna”, disse o deputado, “mas o Chávez é psicopata, cafajeste, palhaço e maluco.” Mas não há como separar, nesse caso, o país, seu governante e o regime que ele pretende construir. É uma irresponsabilidade avaliar a inclusão da Venezuela no Mercosul, neste momento, sem levar em conta o projeto de poder de seu atual presidente e a possibilidade de instauração, em breve, de um novo regime no país. Não se trata, ao contrário do que dizem parlamentares favoráveis à aprovação, de interferir na política de um vizinho. Trata-se de evitar, por mera prudência, que o Mercosul aceite como sócio um país que poderá, em breve, estar submetido a uma ditadura, fortemente armada e ameaçadora da estabilidade regional. Mais que irresponsabilidade, será um erro de proporções amazônicas imaginar que o Mercosul possa domesticar e civilizar um caudilho faminto de poder e disposto a investir bilhões de petrodólares para alcançar seus objetivos políticos.Até aqui, Brasil e Venezuela têm mantido relações econômicas satisfatórias. Não há por que supor que o intercâmbio possa ser muito melhor com a inclusão daquele país no Mercosul. Mas há razões mais que suficientes para afirmar que esse passo seria muito arriscado. O melhor, portanto, é preservar a relação bilateral nos bons termos de hoje e evitar complicações desnecessárias. Haverá novas oportunidades para reexaminar o assunto.

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