sábado, 17 de novembro de 2007

A parte do Senado

Editorial do Estado de São Paulo

“Fiz minha parte; que o Senado faça a sua.” Essa declaração do relator do pedido de cassação do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) no Conselho de Ética do Senado, senador Jefferson Péres, traduz a sensação de dever cumprido, de quem procurou e conseguiu ser justo e criterioso na escolha dos argumentos - sete indícios notórios - comprobatórios da quebra de decoro do senador alagoano, na utilização de testas-de-ferro (ou “laranjas”) para a aquisição de veículos de comunicação em seu Estado. Mas poderia tal sensação ser estendida ao Conselho de Ética, tirando-se dele apenas os 3 membros que absolveram Renan, contrariando os 11 que o condenaram. Dessa vez a derrota do presidente licenciado da Casa foi arrasadora. Será, porém, que chegando o processo a plenário o Senado da República saberá “fazer a sua parte”? É o que veremos na quinta-feira. De qualquer forma pareceram bem convincentes os indícios da participação de Renan Calheiros na compra de duas emissoras de rádio e um jornal diário em Alagoas, em sociedade com o usineiro João Lyra - mas em nome de laranjas. E bem é de ver que os artigos 54 e 55 da Constituição proíbem parlamentares de controlar emissoras e prevêem a cassação de mandato como pena. Diga-se desde já que a não observância dessa proibição constitucional por muitos outros parlamentares - sabendo-se do quanto essas concessões se prestaram a barganhas políticas - pode pesar em favor do senador processado, especialmente em se tratando de votação secreta em plenário, obrigatória em processos de cassação. Nesse tipo de “falta de decoro” é inegável que o senador alagoano está em excelente e poderosa companhia. Pode-se até suspeitar que ele já tenha ameaçado alguns colegas de “botar a boca no trombone” se for cassado. Em todo caso, na caracterização de quebra de decoro parlamentar tem sido decisiva a tentativa de engodo, a falsificação ou a simples mentira pespegada por um representante do povo - independentemente de estar ou não violando a lei. Renan Calheiros tem negado, peremptoriamente, sua participação - mesmo que indireta - na compra de veículos de comunicação. Mas o relator mostrou, por exemplo, que Ildefonso Tito Uchoa, primo de Renan, e Carlos Ricardo Santa Rita, seu funcionário no Senado, não tinham condições financeiras para adquirir aquelas empresas - a não ser como testas-de-ferro. Também lembrou que Uchoa já trabalhou no gabinete do senador, questionou a participação do filho - Renan Calheiros Filho - e chamou a atenção para a coincidência de personagens a serviço do presidente licenciado da Casa e o vulto das transações. E, na desmontagem final desse quebra-cabeça, Péres acentuou o fato de Renan Calheiros não ter tido, em nenhum momento, a iniciativa de processar João Lyra, autor das graves revelações sobre sua pessoa - apesar de considerá-las como calúnia, difamação e injúria. “O que nos configura como indício de culpabilidade, tendo em vista a gravidade das acusações e os evidentes prejuízos à sua imagem.” Sem dúvida o medo da “exceção da verdade” é um indício de culpa - no caso, mais um entre os sete apontados pelo relator.O fato de a sessão plenária, que decidirá sobre esse processo de cassação, agora ser aberta - ao contrário do primeiro julgamento do senador alagoano (sobre recursos entregues por uma empreiteira à mãe de sua filha), que tentou (sem o conseguir) ser totalmente escondido do público - já demonstra uma grande evolução da Câmara Alta, no caminho ético a ela apontado pela opinião pública. Apesar de a votação ter que ser secreta, não será fácil encontrar outras figuras - como os que defenderam o senador no Conselho - dispostas a performances semelhantes, perante as câmeras de televisão. Por outro lado, considerando-se o conjunto das representações feitas contra o presidente licenciado do Senado, a forma como ele se conduziu - colocando escandalosamente a máquina da presidência a serviço de sua defesa - e todo o desgaste que tem feito passar a instituição, pode-se afirmar, convictamente, como fez o relator Jefferson Péres, que, mesmo na hipótese de absolvição, Renan Calheiros não terá mais condição política alguma para continuar presidindo a Casa. E, sem dúvida, até o Planalto já tem plena consciência disso.

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