quarta-feira, 9 de julho de 2008

Ingrid dá guinada e passa a atacar Uribe

Por Eliana Cantanhede
na Folha de São Paulo

Menos de uma semana depois de ser resgatada espetacularmente do cativeiro, a ex-candidata a presidente da Colômbia Ingrid Betancourt consolidou ontem a guinada iniciada na véspera em relação ao governo de Álvaro Uribe. Se em suas primeiras entrevistas foi pró-Uribe, admitindo até o terceiro mandato do presidente, ontem ela declarou que não teria votado nele e que "a Colômbia está isolada na região"."[A Colômbia] é o único país que tem guerrilha e por isso estamos na extrema direita. Quem elegeu Uribe foram as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, o grupo que a fez refém]. Se não existissem as Farc, não existiria Uribe. Os colombianos votaram em Uribe porque estão até o pescoço com as Farc", disse ela, numa nítida mudança de tom, na véspera de completar sete dias de libertação.As declarações foram à BBC Mundo em Paris e não chegaram a surpreender o meio político e diplomático em Bogotá, onde ela já é vista como potencial opositora de Uribe e teve 31% de intenções de votos numa pesquisa publicada no último domingo. Mas esse percentual só existe num cenário: com o próprio Uribe fora da disputa. Com ele, ninguém tem a menor chance, nem ela.Segundo Betancourt, sua "divergência fundamental com ele é a natureza da guerrilha: Uribe concebe o problema colombiano como uma crise de violência, de segurança, que cria um mal-estar social. Eu penso o contrário, que é porque há um mal-estar social que há violência". Apesar disso, não classificou as Farc como de "esquerda".
"Êxito ou fracasso"
Ela não descartou uma possível candidatura à Presidência: "Os espaços têm que se abrir naturalmente. Se vejo em algum momento que é bom para a Colômbia que eu esteja aí, aí estarei", disse, posicionando-se no espectro político oposto ao de Uribe: "Sempre serei de esquerda". Na véspera, ela dissera que o presidente precisa "abandonar a linguagem do ódio".Em entrevista à Folha, o assessor e ideólogo de Uribe José Obdulio Gaviria advertiu que Betancourt só tem chances na política colombiana se alinhada com Uribe: "Ela precisa definir se seu programa será uma continuidade do presidente Uribe ou de oposição. Isso determinará seu êxito ou seu fracasso."Na oposição, o senador e também presidenciável Gustavo Petro, do Polo Democrático Alternativo, disse à Folha que a guinada de Betancourt é "natural". "Creio que havia carga emocional enorme e até fragilidade física nos primeiros momentos da libertação [quando ela foi simpática com Uribe]. Com o tempo, ela vai ter cada vez mais condições de refletir com serenidade sobre o que acontece na Colômbia".
Pró-mediadores
Na avaliação colombiana, um dos fatores que podem ter empurrado Betancourt para a oposição a Uribe -além das origens políticas distintas (ela era do partido verde Oxigênio)- foi a decisão do presidente de romper com os mediadores franceses e suíços empenhados no diálogo entre o governo e as Farc para a libertação de reféns. Ela, que tem dupla nacionalidade, colombiana e francesa, considera "muito importante" manter os mediadores."O problema dos seqüestrados requer o trabalho de muita gente. Uma pessoa só não pode conseguir [a libertação]", disse. Ainda há 25 seqüestrados políticos e cerca de 700 comuns em poder das Farc.Ontem, Betancourt foi homenageada pelo Senado da França e pediu aos congressistas que gravem vídeos pela libertação dos demais reféns para serem transmitidos na marcha prevista para o próximo dia 20 na Colômbia. Ela própria decidiu não comparecer, a pedido da família.Na entrevista à BBC mundo, Betancourt fez um apelo aos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e do Equador, Rafael Correa: "Não me importa que Chávez tenha contato com as Farc, se este contato faz com que tenha influência sobre eles e que, através dessa influência, possa convencê-los a libertar meus companheiros".

Nenhum comentário: