sábado, 12 de julho de 2008

"Os males do Brasil são" por Roberto Pompeu de Toledo

Quando se afirma que o Exército não está preparado para funções de segurança pública, como repetidamente se fez no caso dos militares que entregaram três jovens do morro carioca da Providência para ser executados por traficantes de um morro rival, a suposição é que a polícia, ela sim, está. O caso do menino morto na semana passada por policiais que dispararam no carro em que viajava com a mãe mostra quanto está – ô, se está! Outra suposição é que, se o Exército não está preparado para a segurança pública, para alguma outra coisa haverá de estar. Para quê?
Um estudo do oficial reformado da Marinha Virgílio Freire mostra problemas que começam na distribuição da força pelo território nacional. "De um total de 124 unidades operacionais de combate, apenas 22 estão na região de fronteira mais sensível, ou seja, os estados do Amapá, Pará, Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima", afirma o estudo. Isso equivale a 17% da força. As regiões Sudeste e Sul abrigam porcentagens bem mais altas – 35% e 37%. A maior concentração no Sul, segundo Freire, revela uma estratégia "antiquada, elaborada na época da guerra do Paraguai". Não há sombra de guerra à vista com Argentina, Uruguai ou Paraguai. ("O Exército precisa ser informado urgentemente da existência do Mercosul", diz Freire.) Em contraste, as fronteiras Norte são hoje as mais ameaçadas, inclusive "pelas guerrilhas, como a das Farc". Freire é contra pôr o Exército a policiar as ruas. Se melhor cobrisse a região Norte, no entanto, estaria servindo à segurança pública na primeira linha de combate – as fronteiras por onde vaza o contrabando de armas e drogas.
O estudo do ex-oficial aponta outro problema no fato de os soldados serem recrutas de 18 anos, que prestam serviço por apenas doze meses. Foi uma tropinha de dez meninos desses que, sob o comando de um segundo-tenente de 25 anos, entregou os jovens da Providência a seus carrascos. Os recrutas, segundo Freire, deveriam ser substituídos por profissionais. A reforma do Exército, assim como a tributária e a política, é outra que cai de podre, mas... ai, que preguiça. Adiar os problemas e ceder à força da inércia os males do Brasil são.
A aposta do momento é quanto vai durar o furor fiscalizatório em torno da dosagem de álcool no sangue dos motoristas. O desejável é que dure muito, de preferência para sempre, mas a experiência indica que os esforços para o bom cumprimento das leis, entre nós, começam com ímpeto de leão, decaem gradualmente e terminam num ronrom de gatinho saciado. Em fazer leis somos bons. Em vigiar para que sejam observadas... ai, que preguiça.
Quando da entrada em vigor do Código de Trânsito, também começamos bem, com a fiscalização resultando em multas e os famosos e temíveis pontos na carteira. O Código de Trânsito não assusta mais. Se tudo correr conforme a tradição, logo a Lei Seca para os motoristas também não assustará mais. E então o que acontecerá? Será feita outra lei. Outro dos cacoetes nacionais é preferir fazer uma nova lei a pôr a antiga para funcionar. Não passa muito tempo, e abandona-se a lei ao deus-dará. Não nos faltam leis que perambulam pelos códigos como órfãos desamparados.
A fiscalização é irmã gêmea da manutenção. Uma está para as leis assim como a outra para as obras. Se somos falhos na fiscalização, não haveríamos de ser bons na manutenção. Não faltam governantes bons em fazer estradas, pontes ou viadutos. Faltam os que conservem os antigos. Para o governante, é mais atraente fazer uma obra nova do que manter as já existentes. Falta de fiscalização e falta de manutenção os males do Brasil são.

Quem ainda não percebeu o avanço da inflação atente para o teste da nota de 50. Chegar com uma nota de 50 reais no caixa da padaria, até pouco tempo atrás, era arriscar ser xingado. Tomar um táxi só com nota de 50 no bolso era uma temeridade. Não mais. Boa maneira de detectar como a inflação avança, ao seu jeito sorrateiro, é se dar conta de como está ficando fácil trocar a nota de 50. Tão altiva, com uma onça-pintada estampada na face, é outra que, como a vigilância das leis, corre o risco de decrescer até o ronrom de um gatinho.
Inflação à brasileira é fenômeno que começa com o derretimento das notas e termina no jetom do telefone. O jetom entra em cena quando desaparecem as moedas, tão desprezível o valor que representavam. Talvez desta vez o jetom não se apresente, pois o telefone celular condenou à decadência os telefones públicos. Mas isso não anula a ameaça às moedas. Deve-se defender com unhas e dentes o porta-moedas que se leva no bolso, ou na bolsa. O porta-moedas é a última linha de resistência contra a inflação. Quando ele deixa de ser útil, porque as moedas desapareceram de circulação, é sinal de que fomos tragados para o abismo. Nota com onça que faz ronrom e porta-moedas que se elimina do kit que se leva no bolso os males do Brasil são.

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