quarta-feira, 23 de abril de 2008

Governo quer descaracterizar dossiê sobre FHC

Por Vera Rosa
no Estado de São Paulo

O governo prepara uma saída jurídica para descriminalizar o vazamento de informações com gastos pessoais do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, organizados politicamente num dossiê montado na Casa Civil. Sob o argumento de que os dados referentes a ex-presidentes não são sigilosos - já que não mais põem em risco a segurança -, o Palácio do Planalto quer enquadrar a investigação da Polícia Federal para que a apuração chegue a um único desfecho: o de que houve infração administrativa, e não crime. O objetivo é afastar a crise da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Sempre ressalvando que não interfere nas ações da Polícia Federal, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ao Estado que o único delito possível, nesse caso, seria o vazamento ilegal de documentos, pois, no seu diagnóstico, montar dossiês para a disputa política não é crime. "Se o delegado (Sérgio Menezes) da Polícia Federal entender que o vazamento não foi ilegal, porque se tratava de documentos disponíveis até na internet, só teremos conseqüências políticas desse inquérito", afirmou Tarso. "Ou seja: por que isso vazou? Aí é um debate parlamentar entre oposição e governo, e não questão relacionada com a jurisdição penal." Tarso desqualificou rumores, repetidos por integrantes da base aliada, de que o PSDB está por trás do escândalo. "Não acredito em conspiração da oposição", insistiu. "Pela minha experiência política, eu acho que alguém quis prestar um favor para alguém que estava do lado oposto ao governo e vazou documentos para dar suporte ao debate político", argumentou, numa referência indireta ao senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que admitiu ter recebido o dossiê. "Se esse documento era reservado, que não podia ser vazado, é um crime. Se não era reservado, pode ser uma infração administrativa." Na entrevista em que se apresentou como vítima da crise do dossiê, no último dia 4, Dilma levantou a possibilidade de computadores da Casa Civil terem sido invadidos. Na ocasião, porém, a ministra admitiu que os gastos da ex-primeira-dama Ruth Cardoso, contidos na papelada, não poderiam ter sido divulgados. "A informação da dona Ruth é sigilosa. É uma informação que tem de ser preservada, e é por isso que é crime." A entrevista foi classificada como "um desastre" por auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Visivelmente contrariada com o que chamou de "escandalização do nada", Dilma chegou a telefonar para Ruth, com o objetivo de explicar como foi montado o "banco de dados" do Planalto. Além de tentar a todo custo retirar o caráter de crime que embala o dossiê, o governo insiste na tese de que houve montagem dos dados extraídos das prestações de contas do governo Fernando Henrique. Reunidas em 27 folhas, as planilhas descobertas até agora revelam que os gastos foram agrupados por ordem política: de sabonetes a balinhas de licor, de locação de veículos a jantares no Alvorada. Em conversas reservadas, ministros dizem que as despesas efetuadas por Lula e seus parentes só não são divulgadas por motivos de segurança. Por essa interpretação, um presidente no exercício do cargo pode ser vítima de sabotagem se a população souber onde são comprados os alimentos que abastecem o Alvorada. Já um ex-presidente não sofreria esse risco. "É até interessante que tenham vazado dados de Fernando Henrique e do Lula, porque a gente vê que, a rigor, não tem nada o que esconder", disse o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, em entrevista publicada pelo Estado no dia 31 de março. As normas que tratam do assunto ficam a cargo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência. À CPI dos Cartões, dia 8, o ministro-chefe do GSI, general Jorge Armando Félix, disse aos parlamentares que gastos de ex-presidentes devem continuar a ser secretos "se revelarem vulnerabilidades" para o sistema de segurança. "Se não, não devem", afirmou. Na prática, os critérios são extremamente subjetivos. Questionado ontem pelo Estado sobre o assunto, o GSI citou duas leis para concluir, em nota, que "há necessidade de preservar o sigilo das informações que afetem a segurança". Na lista de autoridades mencionadas pelo Gabinete para receber essa proteção constam o chefe de Estado, o vice-presidente e respectivos parentes, além de "titulares dos órgãos essenciais da Presidência da República". Não há uma linha que trate da blindagem de ex-presidentes e de sua família.

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