quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Fraude no HUGO

Por Gustavo Ponciano e Bruna Mastrella
no Hoje

Funcionários do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), entre eles dois médicos, além de um assessora parlamentar, tiveram prisão temporária de cinco dias decretada ontem por suspeita de participarem de esquema de transferência irregular de pacientes para hospitais particulares. Outros 20 mandados de busca e apreensão foram cumpridos nas unidades de saúde envolvidas. A investigação, iniciada há oito meses pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Estadual (MP), também aponta outros crimes, como falsificação de documentos e tráfico de influência. Na operação, foram presos dois médicos ligados aos dois grupos que coordenam todas as UTIs particulares em Goiânia, dois funcionários do Hugo, sendo uma assistente social e uma servidora do departamento que fornece as chamadas Autorizações de Internação Hospitalar (AIHs). Foi presa também uma assessora parlamentar que direcionava eleitores de uma deputada estadual para quem trabalha para internação – quase sempre desnecessária. Todos foram detidos em suas residências e passaram a tarde prestando depoimento no MP. Como colaboraram, a instituição decidiu revogar as prisões e todos foram liberados no final da tarde. Também foram apreendidos documentos e computadores que estavam no Hugo e em outros hospitais privados.Além de não revelar o nome dos envolvidos, a polícia e o MP se limitaram a informar que o esquema das UTIs tinha início com os chamados “olheiros” de dentro do próprio Hugo. Ao perceberem a entrada de um paciente em potencial para a irregularidade, geralmente sem muita necessidade de tratamento intensivo, eles entravam em contato com os médicos ligados aos grupos ou hospitais privados que têm leitos credenciados pelo SUS. Um dos grupos é responsável por duas UTIs; o outro, por cinco. Todas funcionam, com administração própria, dentro de hospitais da rede conveniada. Os pacientes, ao que tudo indica, eram quase leiloados. O interesse era maior naqueles que geravam menos gastos às UTIs. Mesmo tendo condições de receber alta, eles eram mantidos sob cuidados por mais dias. Para cada paciente transferido para uma UTI privada, os “olheiros” recebiam entre 150 reais e 200 reais.
LUCRO
Por acreditar que há muito mais gente envolvida na fraude, o delegado Celso Euzébio Ferreira, da Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Administração Pública (Dercap), acrescenta que vai ampliar as inestigações.Durante entrevista coletiva no Hugo, o secretário estadual de Saúde, Hélio de Sousa, garantiu que nem a direção nem a Central Estadual de Regulação, responsável por encontrar leitos para pacientes na rede conveniada, têm ligação com a irregularidade.De acordo com o promotor Marcelo Celestino, coordenador do Centro de Apoio Operacional (CAO) do Cidadão, cada paciente do SUS rendia às UTIs particulares 300 reais. Caso fosse de algum plano de saúde privado, valia 250 reais, mais os gastos declarados com todos os medicamentos. Segundo o promotor, os pacientes não tinham conhecimento do esquema no qual estavam sendo usados. O delegado revela que o caso foi denunciado há oito meses diretamente ao MP, que o repassou à Polícia Civil. O inquérito foi instaurado em novembro e as detenções foram efetuadas após decretação de prisão temporária de cinco dias. Os crimes cometidos são desvio de verba pública, destinada à saúde, corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, e formação de quadrilha. Todos os documentos e computadores apreendidos serão estudados na Dercap e periciados pelo Instituto de Criminalística. Segundo o delegado, os dois donos das UTIs, que pagavam para que os pacientes fossem enviados às unidades conveniadas de saúde, são os “cabeças” do esquema. A suspeita é que o esquema ocorra desde a fundação do Hugo, em 1991, e que a movimentação mensal de cada UTI envolvida era de R$ 200 mil mensais. Além do direcionamento irregular de pacientes para UTIs, também estão sendo investigados possíveis esquemas de venda de guias de AIH para administrações municipais e políticos repassarem para possíveis eleitores e de indicação irregular de serviços de locomoção de pacientes em ambulância, tudo em troca de dinheiro.O secretário de Saúde do município, Paulo Rassi, afirma que não tinha conhecimento da investigação e adiantou que os médicos envolvidos não são contratados da Prefeitura. Ele ressalta que a central de regulação de vagas mantida pelo município é autônoma, portanto, sem ligação com o Hugo e com qualquer outra unidade de saúde. Ao todo, há 2.764 leitos do SUS em hospitais particulares em Goiânia. Destes, 265 são para UTI.
“ELES DECIDEM SOBRE A VIDA E MORTE”
Uma enfermeira que trabalha no Hugo há 16 anos (preferiu não se identificar) conta que os funcionários sabiam que a unidade estava sendo investigada havia oito meses. “Sabíamos até que os telefones estavam grampeados. Só restava descobrir quais das máfias a polícia investigava, se das ambulâncias, do DPVAT ou das funerárias”, ironiza, referindo-se a diversas fraudes que supostamente ocorrem no local. Ainda assim, ela revela que nem o monitoramento da polícia freou as irregularidades.Diferentemente do que foi divulgado pela polícia e Ministério Público, a enfermeira conta que muitas vezes a própria família do paciente também pagava suborno para conseguir a transferência para a UTI. Contudo, somente o paciente com determinado perfil era privilegiado. “Aqueles em estado muito grave, que necessitam de muito cuidado, como idosos, portadores de doenças crônicas ou que precisam ficar vários dias no leito são recusados”, revela. Já pacientes com problemas cardíacos ou que necessitam de procedimentos com maior remuneração no SUS costumavam ser disputados. Por dia, estima, cerca de dez pessoas eram transferidas para a UTI. “Há gente que morre aqui por falta de UTI. Eles (investigados) decidem sobre a vida e a morte de alguns pacientes”, lamenta.

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