domingo, 15 de junho de 2008

Guerra contra drogas não reduz produção

Na Folha de São Paulo

Bilhões de dólares gastos no combate às drogas nas Américas -em especial ao menos US$ 10,7 bilhões empregados na Colômbia, maior produtor de cocaína do mundo, entre 1999 e 2005- transformaram-se em resultados desanimadores em termos de redução do consumo, do plantio de coca e do rastro de violência que o tráfico espalha pelo continente.Passados dez anos da Assembléia Geral da ONU que estabeleceu metas para atacar o problema, as cifras preliminares de 2007 já assustam.O Escritório da Política de Controle de Drogas da Casa Branca estimou em fevereiro que 1.421 toneladas métricas de cocaína saíram da América Latina. A cifra representaria um salto de 40% sobre 2006 -até agora, tanto Washington quanto a ONU vinham citando como êxito a relativa estabilidade da produção de coca, em contraposição ao avanço exponencial do começo dos anos 90.A Casa Branca culpa a Venezuela pelo avanço, apontando que o país tem sido cada vez mais usado como rota dos traficantes. Mas, na produtora Colômbia, nem as recentes vitórias militares sobre a narcoguerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) nem a erradicação recorde de plantações de coca melhoraram o quadro.Anteontem, o jornal colombiano "El Tiempo" antecipou que houve aumento de 25% na área de plantio de coca em 2007. Passou dos 78 mil ha de 2006 para 98 mil -cifra próxima aos 102 mil ha de 2002, ano seguinte à criação do Plano Colômbia, pacote de combate ao narcotráfico e à guerrilha co-financiado pelos EUA.Markus Schultze-Kraft, diretor para a América Latina do prestigioso centro de análises International Crisis Group (ICG), diz que o enfraquecimento das Farc afetou pouco o narcotráfico: "Não vemos relação direta entre esse êxito e o controle do tráfico. Há problemas de fundo", disse à Folha.Coordenador de dois estudos do ICG sobre o tema, ele citou como alimentadores do negócio o contágio da classe política e as falhas nas políticas globais para conter a demanda por drogas. Schultze-Kraft ressalta o poder de reacomodação da indústria do pó, que sobreviveu ao desmonte dos grandes cartéis colombianos, nos anos 90, e à recente desmobilização da principal coalizão de grupos paramilitares do país.Fabio Posada Rivera, editor da Unidade de Investigação do diário "El País", de Cali, explica: "A direção hoje é compartimentada para evitar delações e traições. São chefões menos vistosos e mais eficazes".
Escalada mexicana
As transformações no epicentro colombiano tiveram impacto no resto do continente. Em especial no México, onde os chefões locais assumiram a distribuição da maior parte da cocaína que vem dos Andes após o desmembramento dos cartéis de Cali e Medellín, que vendiam a própria produção.Hoje os cartéis mexicanos controlam diretamente três quartos do mercado de drogas americano, o maior do mundo. O país vive uma escalada da violência ligada ao crime organizado -1.585 mortes de janeiro a maio deste ano, cerca de 30% a mais do que em 2007."[Os narcotraficantes] estão na economia, na vida cotidiana, na cultura, no surgimento de novas escolas, novos negócios", diz Javier Valdez, jornalista e fundador do semanário mexicano "Rio Doce". Como na Colômbia, os jornalistas são alvo da violência. Uma cabeça ensangüentada foi entregue em um jornal de Tabasco (sul), em advertência a um diretor.Por trás da carnificina, há, para o diretor do Crisis Group, "uma confrontação, a sangue e fogo", entre o governo do conservador Felipe Calderón, interessado em expurgar parte das polícias estaduais e locais corruptas, e os interesses arraigados do crime organizado.Pouco depois de assumir, em dezembro de 2006, Calderón tomou uma medida controvertida: usar as Forças Armadas no combate ao tráfico. Para Schultze-Kraft, que defende o fortalecimento das polícias e recuo dos militares, essa não é a solução. "O que o México precisa é de uma boa Polícia Federal. A atual, muito pequena, não é tão corrupta como as estaduais e municipais, mas é débil."

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