terça-feira, 6 de maio de 2008

Confronto com arrozeiros deixa 10 índios feridos a bala em Roraima

Por Loide Gomes
no Estado de São Paulo

Dez índios das etnias macuxi e ingaricó foram feridos a bala ontem na terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, após tentativa de ocupação da Fazenda Depósito, do rizicultor Paulo César Quartiero, prefeito do município de Pacaraima e líder da mobilização de produtores contra a demarcação da reserva. O conflito ocorre 26 dias depois da suspensão da Operação Upakaton 3 da Polícia Federal, destinada a retirar os não-índios da área. A ação da PF foi interrompida por liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 9 de abril.
A Fazenda Depósito fica a sete quilômetros de Surumu, localidade a 160 quilômetros de Boa Vista que concentra os conflitos entre índios e não-índios pela posse da reserva de 1,7 milhão de hectares. Às 5 horas, um grupo de 103 indígenas, entre homens e mulheres, iniciou a ocupação de uma área da fazenda livre de plantação de arroz e afastada da sede. Em pouco tempo, eles construíram quatro malocas com palha e madeira. Dois funcionários de Quartiero chegaram ao local em motos e ordenaram a saída dos índios. Diante da negativa, foram embora e retornaram com mais quatro funcionários, em três motos e uma caminhonete."Eles já chegaram atirando, sem dar chance de defesa às vítimas", afirmou Júlio Macuxi, coordenador de programas do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Ele disse que a ocupação se deu pela necessidade de ampliação da comunidade Renascer, próxima à cerca da fazenda, que estaria "sufocada".Quartiero sustentou que não estava na fazenda no momento do conflito, mas foi informado por seus funcionários de que os índios teriam invadido sua fazenda armados de cassetetes e de arco e flecha. "Os funcionários disseram que, quando tentaram retirá-los, eles atiraram flechas. Então houve reação."
SOCORRO
Os tiros foram disparados de espingardas calibre 16. A PF abriu inquérito para investigar o caso e prestou o primeiro atendimento aos feridos. Sete foram levados para o hospital de Pacaraima. Os demais, Glênio Barbosa, 22 anos, João Ribeiro, 30, e Antônio Kleber da Silva, 25, foram removidos em avião da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para Boa Vista.O médico Renerys Pinheiro, que atendeu os três no Pronto-Socorro Francisco Elesbão, disse que os ferimentos são leves e os indígenas receberão alta ainda hoje. Glênio é ingaricó e foi atingido com estilhaços de chumbo no nariz, no lado esquerdo do rosto, no tórax e na perna. João Ribeiro teve um ferimento na perna e Antônio Kleber foi atingido no tórax e no abdômen. Os dois são da etnia macuxi.O episódio de ontem não intimidou o Conselho Indígena de Roraima, que pretende continuar a ocupação da Fazenda Depósito. Os índios não aceitam a posse de Quartiero nem dos seis rizicultores que permanecem na área. Para eles, os produtores é que são os "invasores"."Esse ataque é uma afronta à Constituição e ao Supremo Tribunal Federal, mas não intimida as comunidades. Ao contrário, só fortalece os indígenas da Raposa Serra do Sol e de todas as comunidades de Roraima", disse o índio Júlio Macuxi. Ele ressaltou que vai reforçar o pedido de segurança feito há um mês, e exigir que a PF desarme o que ele classificou de "milícia".
RESISTÊNCIA
A tensão na Raposa Serra do Sol recrudesceu com a Operação Upakaton 3. Comandados por Quartiero, os arrozeiros patrocinaram protestos e atos de sabotagem, que incluíram até a destruição de pontes, para impedir a entrada dos policiais nas fazendas. Em meio à mobilização da PF, o Supremo determinou em 9 de abril a suspensão da retirada dos não-índios. O STF decidirá se a demarcação da reserva deve ser contínua ou dividida. A Raposa constitui área contínua de 1,7 milhão de hectares, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Nela vivem cerca de 20 mil índios.

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